“Na vida só há um modo de ser feliz. Viver para os outros.”

Léon Tolstoi

sexta-feira, 29 de julho de 2011

A Criança, a Escola e a Saúde Mental

Depois da família, a escola é o agente mais importante da socialização da criança. Com a entrada na escola, a criança entra num contexto social mais amplo e diferenciado. Especialmente para as crianças que nunca puderam frequentar a creche ou o jardim infantil, a escola primaria representa a primeira experiência de relações mais amplas e constantes fora do círculo familiar, a primeira relação com o grupo de colegas e com figuras de adultos estáveis diferentes das familiares.

Durante um grande período da vida, todas as crianças e jovens são acolhidos pela escola, e é neste espaço de tempo em que se desenvolvem fisicamente, cognitivamente e se desenvolvem competências fundamentais para a formação da personalidade, a escola irá, portanto, continuar, integrar e ampliar a obra educativa dos pais. Depois da família, é a escola que exerce a influência máxima.

A escola é uma organização complexa e com níveis hierárquicos de funcionamento.

À Escola esperam-se novos desafios:


• Transmissão de conhecimentos
• Educar para os valores
• Promover a saúde
• Actividade cívica dos alunos
• Promoção de autonomia

A educação falha se não toma cm consideração todas as interligações da criança com o ambiente, se está, distanciada da sua vida real, das condições subjectivas, da história precedente do desenvolvimento de cada aluno, das suas capacidades e interesses.

A etapa da infância e adolescência assume extrema importância e vulnerabilidade, estes jovens vão se encontrar num processo de formação de hábitos, crenças e competências, que irão permitir desenvolver o sujeito como pessoa e cidadão. Se bem que aos seis anos o desenvolvimento mental e social da criança já seja adequado para enfrentar a experiência escolar, a entrada na escola representa sempre um trauma afectivo. A criança que nunca frequentou a creche entra num mundo desconhecido, onde vigoram regras e relações nunca antes experimentadas. De centro da atenção familiar, ela torna-se num anónimo entre vários. Agora deve contar com os outros.

A criança em idade escolar continua a depender dos pais, quer material quer emotivamente e, simultaneamente, torna-se mais ampla a área das relações com o grupo dos colegas. A escola representa o lugar privilegiado onde ela tem a oportunidade de experimentar novas relações interpessoais que a ajudam no seu processo de socialização e onde pode exercer uma certa independência própria. Aqui tem a ocasião de ser aprovada ou desaprovada.

Toma contacto com outras crianças, que lhe dão a oportunidade de rever as suas relações primárias com os irmãos e as irmãs.

Há crianças que podem encontrar dificuldade em fazer amizades, porque transferem para as novas relações com os pares as dificuldades e os conflitos do seu ambiente. A este respeito é muito importante a acção do professor acompanhando cada criança, intervindo no momento oportuno, tranquilizando a criança. Ele (o professor) tem uma função determinante no êxito ou insucesso escolar da criança. Pode organizar as emoções da criança e canalizá-las com vista à realização de determinadas metas escolares.

As novas amizades e o grau de aceitação de que goza podem reforçar na criança a sua auto-consideração fazendo-lhe compreender que é capaz de amar e que consegue fazer-se estimar e amar por seu lado; pode diminuir o seu sentimento de culpa e aumentar a confiança em si própria e nos outros.

Além disso a criança descobre as suas insuficiências e a necessidade de se completar na relação com os outros, descobre o prazer da solidariedade do grupo e é levada a sublimar e superar sentimentos de inveja e de ciúme. A criança torna-se, cada vez mais, capaz de se pôr em pontos de vista diferentes do seu, e isto torna possível formas de colaboração, além das do jogo, em actividades de exploração, de construção, onde é necessária uma actividade de projecção colectiva.

O primeiro encontro da criança na escola é com o professor. Ele recria uma nova relação afectiva, caracterizada frequentemente pela ambivalência. Em muitos aspectos a relação criança-professor copia a relação filho-pais, sobretudo na escola primária; na escola secundária o ambiente assemelha-se menos ao familiar.

O professor constitui um modelo notável de identificação, fora da família e o processo de identificação é certamente favorecido pelo facto de que a criança, na escola primária, tem um único professor. Contudo, enquanto que uma parte da turma se identifica mais completamente com o agente socializador, a outra parte identifica-se mais com o grupo dos pares.


O professor, numa sociedade onde a família está em crise e quase ausente da socialização da criança, substitui-se aos pais. Ele conduz o aluno a assumir novas atitudes mentais, novos valores, novos conhecimentos e novas motivações.

Na presença dos factores socioculturais que influenciam no rendimento escolar, dos problemas e conflitos psicológicos ligados à dinâmica familiar, a escola em vez de estar adequada à tarefa de aplanar as desigualdades iniciais do ambiente social e de ir ao encontro das necessidades dos conflitos psicológicos dos alunos, revela-se frequentemente uma instituição que contribui para a desadaptação.

A escola, que deveria tentar promover os que têm mais necessidade dela, tende inversamente a expeli-los porque embaraçam o trabalho dos «normais» e implicam um maior empenhamento do professor com o ensino individualizado; e também porque os que já sabem teriam de outra forma, sacrificar tempo para esperar que crescesse o nível dos que não sabem e que apresentam dificuldades em aprender.

Como já foi referido, um dos períodos mais dramáticos na infância corresponde à entrada na escola, especialmente se não frequentou a pré-primária, podemos constar que existem uma crise de componentes ao mesmo tempo psico-fisiológicos e psico-sociais.

Do ponto de vista físico coincide com o fim da primeira dentição, o alongamento da estrutura que torna a criança mais delgada, mais frágil, pelo menos de aspecto, e mais receptiva ás doenças contagiosas.

Do ponto de vista mental, o interesse da criança que se concentrava em si própria passa a incidir sobre as coisas, sobre o mundo exterior e sobre o desejo de compreender as intenções das pessoas. A criança passa a preocupar-se com a opinião dos outros e procura entrar em relações com os seus semelhantes, dando-se portanto uma modificação mental.

A escola deve ser acolhedora, presentemente a escola já deixou de ser representada pelo professor austero, exigente, que nunca sorria, aliás já está (a escola) cada vez mais consciente do seu papel social. Já não se dedica exclusivamente ao ensino e engloba uma série de actividades escolares capazes de atrair a criança, próprias dos seus interesses e especialmente de interesse social. A criança sabe que na escola pode brincar com os colegas, participa em festas e outras actividades de carácter mais lúdico.

No entanto, é sobretudo à família quer compete preparar as crianças para esta nova situação, e sobre isso convém dar aos pais conselhos apropriados. Acontece muitas vezes, quando a criança antes de entrar na escola se porta mal, frequentemente se houve "quem dera o momento de poder meter-te na escola" ou "quando fores para a escola logo vês!". Sugere-se assim à criança a ideia de que a escola é um sítio terrível, onde não se toleram gracejos, onde não se pode fazer nada do que se quer, acima de tudo um local onde se castiga.

Tudo isso permanece muito confuso na criança e é justamente essa confusão, muito pouco, representativa, muito pouco intelectualizada, com falta de afectividade, que age, poderosamente sobre a disposição da criança.


Como forma de apoio à criança com vista à sua integração e acolhimento no meio escola, há que ter em atenção diferentes instâncias facilitadoras do processo de socialização: confiança, autonomia, iniciativa empatia e auto-estima.

a) Confiança - é a crença nos outros que permite à criança aventurar-se à acção, sabendo que as pessoas de quem depende lhe proporcionarão o apoio e o encorajamento necessários. "Estar presente e ser autentico" (João dos Santos).

b) Autonomia - é a capacidade de independência e de exploração, embora necessite de uma ligação muito estreita com os educadores (pais e professores), a criança também precisa de desenvolver uma percepção de si própria como pessoa distinta que é capaz de fazer as suas escolhas e de realizar coisas para si própria.

c) Iniciativa - é a capacidade de que a criança tem de começar uma tarefa e de a levar até ao fim. É a capacidade de que a criança tem de começar uma tarefa e de a levar até ao fim, de avaliar uma situação e de actuar de acordo com o entendimento que tem dessa situação.

d) Empatia - é a capacidade que permite à criança compreender os sentimentos dos outros por os poder relacionar com sentimentos que ela própria já experimentou. os adultos reforçam a capacidade de empatia se corresponderem e reconhecerem os sentimentos das crianças e se as encorajarem a participar e cooperarem com os pares.

e) Auto-estima - a confiança positiva na nossa própria capacidade de dar contributos positivos a outras pessoas ou situações, um núcleo forte de orgulho interior - é uma atitude que pode sustentar as crianças nas dificuldades e pressões das suas vidas. A auto-estima desenvolve-se quando a confiança, a autonomia, a iniciativa e a empatia estão firmemente enraizadas e quando as crianças têm oportunidades de realizar experiências com sucesso. Ironicamente, são as experiências negativas proporcionam as melhores alturas para construir a auto-estima, se os adultos tiverem paciência necessária para adoptarem o ponto de vista da criança e encorajarem a resolução de problemas.


As experiências de movimento não são apenas importantes para o desenvolvimento físico das crianças, são-no também para o fortalecimento das suas capacidades sociais e cognitivas. Por exemplo, ter êxito nas actividades de movimento aumenta o sentimento de competência e de auto-estima da criança. Além disso, as actividades de movimento proporcionam ocasiões para a prática de aptidões valiosas como as capacidades de prestar atenção de seguir instruções e de relacionar linguagem com movimento - todas elas capacidades que contribuem para as aptidões académicas da criança.

Torna-se necessário um trabalho dinâmico e permanente a nível institucional e transdisciplinar, onde profissionais do ensino, da saúde, a própria família, comunidade, poder local, trabalhem em parceria para proporcionar as melhores condições para um ambiente de aprendizagem.

Os programas de saúde escolar desenvolvidos nas instituições de ensino podem ajudar os estudantes a responder a um conjunto de riscos que possam comprometer um desenvolvimento saudável. A educação, para além do papel formal de “ensinar” terá que: ir de encontro a estilos de vida saudável, promover acções para o cuidado e protecção das crianças e jovens e criar mecanismos para a construção de uma cultura de saúde.
Um programa de saúde escolar a promoção e a prevenção devem considerar-se como uma estratégia fundamental e indispensável para o programa. A estratégia é o meio para atingir objectivos que responde à pergunta que é “como fazer?”.

A Saude Mental e a Escola

Por definição entendemos que a saúde mental é a capacidade de adaptar-se às situações diárias ou dificuldades que a vida quotidiana apresenta.

A saúde mental de uma criança é um processo constante de adaptação às suas próprias transformações biológicas, crescimento, e às mudanças psicológicas de forma a entender o seu mundo e o mundo que o rodeia ao longo das diferentes idades em função das capacidades que vai adquirindo e decorrente das relações que estabelece com o exterior.

A saúde mental é um processo de adaptação que depende de factores endógenos e exógenos. Se este processo se altera, por diversas razões, pode produzir alterações no comportamento ou transtornos mais ou menos graves.

A abordagem da saúde mental passa por uma dimensão integral onde se consideram os aspectos biológicos, psicológicos e sociais, que modificam o estado de saúde de uma criança e a sua qualidade de vida depende de muitos factores, tais como o comportamento humano, onde a culturalidade necessita ser compreendida e respeitada.

As condições de vida como a pobreza, desigualdade, discriminação, falta de equidade são factores que produzem dano psicossocial, causando um grande impacto na família que é a unidade fundamental da sociedade e meio natural onde se desenvolvem as crianças. Estas são um grupo vulnerável, devem ser protegidos, ajudados e educados por princípios de convivência sã, ambiente de respeito, num contexto construtivo de valores, virtudes e tolerância.

Existe predisponência hereditária para a doença mental que se adquirem e desenvolvem decorrentes da interacção com determinados ambientes e que produzem alterações ou transtornos mentais em crianças/jovens, bem como causa desconhecidas.

A OMS – Health for all – estabeleceu metas de saúde para os próximos anos, tendo a promoção da saúde e os estilos de vida saudáveis uma abordagem privilegiada no ambiente escolar, e os serviços de saúde um importante papel na promoção, prevenção, diagnostico e tratamento, no que se refere à saúde das suas crianças.


A educação para a saúde integral responde às necessidades do aluno em cada etapa do seu desenvolvimento. Visa a saúde como uma construção social, abordando a inter-relação dos problemas de saúde com os seus factores determinantes, dentro de cada contexto. Incorpora a Educação para Saúde em nível curricular e como parte do projecto institucional. Utiliza todas as oportunidades educativas a nível formal e informal para promover a saúde.

Promove a reflexão e a análise crítica da informação; facilita a tomada de consciência dos estudantes e da comunidade educativa como um todo. Procura desenvolver novos conhecimentos e habilidades que contribuam para a adopção e manutenção de estilos de vida saudáveis, por meio de técnicas participativas e actividades significativas que possam transcender o âmbito escolar.

A criação e manutenção de ambientes físicos e psicossociais saudáveis implica a promoção de um ambiente escolar físico seguro, limpo e com estrutura física adequada; com um ambiente psico-social que promova relações interpessoais positivas, sem agressão, violência, álcool ou drogas; com igualdade nas questões de género, estimulante para todos os seus membros e que favoreça a aprendizagem. Este componente promove a escola como um espaço de trabalho saudável, tentando melhorar, por meio do diálogo e do consenso, as condições de trabalho e estudo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Ainscow, Mel – Necessidades Especiais na sala de aula – um guia para a formação de professores – I.I.E edições Unesco,2000
- BRICKMAN, N. - Aprendizagem activa, Fundação Caloust Gulbenkian, Lisboa, 1991
- Coll,César; (et. al.). Desenvolvimento psicológico e educação - 2: psicologia da educação escolar 2 ed. - Porto Alegre - Artmed - 2004
- Correia, Luís Miranda – Inclusão e Necessidades Educativas Especiais – um guia para educadores e professores – Colecção Necessidades Educativas Especiais, Porto Editora, 2004
- DI GIORGI, P. - Relação entre natureza e cultura - a criança e as suas instituições, Livros Horizonte, Lisboa, 1982
- Forreta, F.Marques, António Manuel, Vilar, Duarte – Educação Sexual no 1º ciclo – um guia para professores e educadores – Texto Editora, 2002
- GARCIA, M. Adelina de Abreu Garcia (1994). Multiprofissionalismo e intervenção – as escolas, os projectos e as equipas. Colecção Perspectivas Actuais, Educação. Porto, Edições Asa
- Magalhães, Teresa - Maus tratos em crianças e jovens. Coimbra: Quarteto Editora, 2005
- OLIVEIRA, J.H. Barros de; Oliveira, A.M. Barros (1996). Psicologia da educação escolar, Vol I, Aluno-Aprendizagem; Livraria Almedina, Coimbra
- OLIVEIRA, J.H. Barros de; Oliveira, A.M. Barros (1996). Psicologia da educação escolar, Vol II, Professor-ensino; Livraria Almedina, Coimbra
- PAPALIA, Diane; Olds, Sally (2001). O mundo da criança, MCGrawHill
- Postic, Marcel –A relação Pedagógica - Coimbra Editora, 1990
- SPRINTHAL, Norman A.; Collins, W. Andrews (1999). Psicologia do Adolescente, uma abordagem desenvolvimentista, 2ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Serviço de Educação, Lisboa
- SPRINTHALL, N.; Sprinthall, R. (1993). Psicologia educacional. McGraw Hill
- VAYER, P. - O diálogo corporal. Socicultura, Lisboa, 1976
- VAYER, Pierre; Destrooper (1976). A dinâmica da acção educativa - para a infância, normal e/ou inadaptada, 2ª edição. Horizontes pedagógicos, Instituto Piaget
- VEIGA, F.(1995). Transgressão e autoconceito dos joves na escola - Investigação diferencial. Fim de Século Edições, Lisboa
- WEINER, Irving B. (1995). Perturbações psicológicas da adolescência. Fundação Calouste Gulbenkian, Serviço de Educação, Lisboa


Fonte: http://saudementalescolar.blogspot.com/

sábado, 23 de julho de 2011

A sexualidade das pessoas com deficiência - II

Fonte: Banco de imagens


No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, há 3 milhões de pessoas com deficiência intelectual. São pessoas com “dificuldades ou limitações associadas a duas ou mais áreas, como aprendizagem, comunicação, cuidados pessoais, com a saúde e a segurança”. Não há um ranking das causas da deficiência no país. Mas há diversos fatores de risco: síndromes genéticas (como de Down e de Williams, que afeta as áreas cognitiva, comportamental e motora), doenças infecciosas como rubéola e sífilis, abuso de álcool ou drogas na gestação, desnutrição (da mãe ou da criança) e falta de oxigenação no cérebro.

“Crianças com deficiência criadas em ambientes que favorecem o desenvolvimento e a autonomia podem ser capazes de namorar e constituir família”, afirma Mina Regen. “Cada caso deve ser analisado de acordo com suas singularidades.” Cíntia, de Florianópolis, mora com o marido e o filho na casa dos pais. Em Socorro, São Paulo, cidade de 33 mil habitantes, o arranjo mais conveniente para um casal com deficiência e suas famílias foi diferente. Maria Gabriela Andrade Demate e Fábio Marcheti de Moraes, ambos de 29 anos, vivem com a mãe dele. A filha do casal, Valentina, mora com a avó materna. Todas as manhãs, Gabriela pula da cama e corre para ajudar a cuidar da menina. “Mamãe”, diz a falante Valentina, de 1 ano e meio, ao escutar o barulho da porta.

Quando Gabriela deu à luz, sua história repercutiu pelo Brasil. Na Associação Carpe Diem, na Zona Sul de São Paulo, uma das raras instituições para pessoas com deficiência intelectual que lidam com a sexualidade e os direitos reprodutivos, o assunto reacendeu discussões diversas: gravidez, métodos contraceptivos, doenças sexualmente transmissíveis. “Tenho vontade de transar um dia. Mas tenho de estar preparada”, diz Mariana Amato, de 30 anos. “Eu queria engravidar. Gostaria de ser mãe.”

A abordagem da Carpe Diem é a do Projeto Pipa: Prevenção Especial, criado pelas psicólogas Lilian Galvão e Fernanda Sodelli. Conceitos sobre a manifestação da sexualidade são transmitidos, principalmente, em rodas de conversa. Os “jovens Pipa” aprendem, por exemplo, a identificar abuso sexual com o uso de bonecos. A pedagogia ajuda a transformar abstrações em ideias concretas. “Antes do Projeto Pipa, eu tinha um medo danado e ficava confusa”, afirma Ana Beatriz Pierre Paiva, de 32 anos. “O que é sexualidade? O que é namorar? O que é gostar de alguém?” Bia revela que descobriu o próprio corpo, que tem desejos e que os atos de uma pessoa têm consequências – algumas agradáveis, outras não. Também conseguiu se aproximar dos pais e dizer o que pensa. “A vontade de ter um compromisso sério é grande. Mas meus pais acham que sou nova.” A mãe de Bia, Ana Maria Pierre Paiva, reconhece que é “superprotetora” e que teria dificuldades de aceitar um relacionamento da filha.

Bia é de uma geração de pessoas com deficiência intelectual brasileiros que começou agora a se engajar num movimento de autodefesa. Junto com Mariana Amato e Thiago Rodrigues, de 22 anos, ela dá palestras sobre direitos sexuais e reprodutivos pelo país. Em agosto, os três estiveram num evento em João Pessoa, Paraíba. “Tem gente que olha para a nossa cara e pensa: ‘Esses garotos não sabem de nada, não crescem’”, diz Thiago. “Geralmente, a gente não pode viver a sexualidade por causa da falta de compreensão das pessoas.”

Certa vez, Mariana e o namorado foram ao cinema e tiveram de trocar de sala porque um casal se sentiu incomodado e chamou o segurança. “O segurança me disse que os dois estavam apenas se beijando”, afirma Glória Moreira Salles, mãe de Mariana. Agora, Mariana e o namorado só se comunicam por internet e telefone. Ela se mudou temporariamente para Lucena, na Paraíba. Durante seis meses, vai morar com a amiga Lilian Galvão, uma das criadoras do Projeto Pipa, e trabalhar numa ONG. “Chegou a minha hora. Vou conviver no mundo lá fora e seguir o meu projeto de vida”, diz Mariana. A mãe, Glória, afirma que, com o decorrer do tempo, passou a enxergar a filha de maneira diferente. “Aprendi que quem põe os limites é ela.”

O sucesso do Pipa é possível porque envolve as famílias. “Se o Pipa tivesse chegado antes, não teria levado minha filha para fazer laqueadura”, afirma uma mãe. A cirurgia seria evitada se a jovem já conhecesse os métodos contraceptivos e soubesse como se proteger de abusos. Ainda há famílias que recorrem à esterilização. “Não é crime. Mas é uma violação de direitos proibida pela convenção da ONU, ratificada pelo Brasil em 2008”, diz Izabel Maior, que foi chefe da Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência, ligada à Secretaria Especial dos Direitos Humanos.

“A gente tem condições de aprender a se proteger”, diz Mariana, “e, com o suporte da família, a gente pode ter autonomia.” Mariana demonstra ser uma mulher determinada. Bia é doce, fala sorrindo com os olhos. Suas palavras, pronunciadas de maneira calma e fluida, não são menos assertivas que as da amiga Mariana: “Somos seres humanos e nos sentimos como seres humanos, como todos vocês”.


Fonte: http://arivieiracet.blogspot.com/

A sexualidade das pessoas com deficiência - I

Fonte: Banco de imagens


Deitada no leito do consultório médico, Cíntia Carvalho Bento tira os óculos para enxugar as lágrimas. Era 6 de março. Ela acabara de ouvir, pela primeira vez, os batimentos cardíacos de seu bebê. “Graças a Deus, tem um neném na minha barriga.” Cíntia, de 38 anos, traz no rosto os sinais da síndrome de Down: olhos pequenos e amendoados, boca em forma de arco, bochechas proeminentes.

E, na alma, desejos semelhantes aos das mulheres comuns: trabalhar, namorar, casar, ser mãe. Todos realizados. Cíntia nasceu numa família que aprendeu a dialogar e a respeitar, quando possível, suas escolhas. E que não encarou sua deficiência intelectual – característica dos Downs – como um obstáculo incontornável.

“Aceitamos bem os namoros e o casamento da Cíntia. Meu marido e eu sempre achamos que nossa filha deveria levar uma vida próxima do normal”, afirma Jane Carvalho. “A gravidez é que foi um susto. Tivemos medo de que a criança viesse com problemas de saúde. Mas logo descobrimos que não.” Augusto está com 3 meses. “Estou muito feliz. Pego ele no colo, mudo (as fraldas), dou banho”, diz Cíntia. A gestação não foi planejada. Mas Cíntia sempre quis ter um filho. Ela conheceu o marido, Miguel Egídio Bento, na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Florianópolis. Cíntia era aluna. Miguel, hoje com 42 anos, funcionário. A amizade virou namoro bem depois, numa colônia de férias. O casamento, em junho de 2006, foi como nos sonhos dela: vestido de noiva, igreja, festa e lua de mel.

A vida de Cíntia é uma exceção. As relações afetivas e sexuais são o tema mais controverso e cercado de preconceitos no universo da deficiência intelectual – um assunto que mexe com valores morais e culturais. “É necessário derrubar o mito de que as pessoas com deficiência intelectual são assexuadas ou têm a sexualidade exacerbada”, afirma Fernanda Sodelli, diretora do Núcleo de Estudos e Temas em Psicologia. “Elas não são anjos nem feras que precisam ser domadas. E têm o direito de viver a sexualidade.” Isso quer dizer não apenas o direito de transar, mas o de conhecer o próprio corpo e aprender como se comportar na intimidade: saber se cuidar, estabelecer relações, lidar com as emoções, construir a própria identidade.

Entre as pessoas com deficiência intelectual é comum querer namorar apenas para ter o prazer de beijar na boca. Ou de andar de mãos dadas. Manifestações normais da sexualidade ainda hoje são interpretadas como problema. Foi o que a psicóloga Fernanda viu no consultório quando um pai a procurou preocupado com o filho de 18 anos, que se masturbava pela casa. O pai contou que tentara explicar que aquele comportamento seria aceitável apenas quando o filho estivesse sozinho. “Pai, o que é sozinho?”, perguntou o rapaz. Ninguém lhe ensinara a diferença entre o público e o privado, e o que é adequado ou inadequado em cada um desses espaços. Na infância, o garoto era obrigado a usar o banheiro de porta aberta. O quarto nem porta tinha. Ele cresceu sendo espionado o tempo todo, sem noção de privacidade.

No caso de Cíntia, seus pais se deram conta de que era hora de o relacionamento com Miguel evoluir para o casamento quando ela pediu permissão para o namorado dormir na casa da família. No final da adolescência, Cíntia já sentia vontade de namorar. Abraçava árvores e fingia beijá-las como se fossem um príncipe. Viveu o primeiro romance no início da década de 1990, aos 21 anos, numa época em que os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência intelectual nem sequer eram cogitados. A discussão é recente no país. O movimento de inclusão deu visibilidade aos deficientes e abriu frestas nas portas das escolas e do trabalho.

Pela lei brasileira, os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência intelectual são os mesmos de qualquer outro cidadão. A garantia desses direitos, no entanto, vai além da capacidade do Estado. Depende do bom senso e da disposição das famílias – a maioria marginalizada durante toda a existência e sem o conhecimento necessário para lidar com a complexidade da questão. A principal dificuldade das pessoas com deficiência intelectual é o pensamento abstrato. Como ensiná-los que atos idênticos podem ter intenções e significados diferentes? E que, por isso, alguns seriam permitidos e outros não? Se o namorado bota a mão no seio da garota, é carinho; quando a mão é do tio ou do vizinho, é abuso sexual. Se a mão é do ginecologista, trata-se de um exame de rotina.

Na dúvida, grande parte das famílias encara a superproteção e a repressão da sexualidade como o único caminho para afastar os filhos dos riscos. Deixar de pensar e decidir por eles é uma tarefa custosa e que exige desprendimento. E, se algo der errado, conseguirei conviver com a culpa? Qual é a medida certa da autonomia? A dependência, às vezes mútua, prejudica o desenvolvimento da pessoa com deficiência. “Os pais precisam ser trabalhados para enxergar primeiro o filho e depois a deficiência”, diz a assistente social Mina Regen, coautora do livro Sexualidade e deficiência: rompendo o silêncio. “É fundamental que as pessoas com deficiência intelectual sejam ouvidas e aprendam a fazer escolhas desde a infância, por mais simples que sejam.” Isso inclui da roupa a vestir até o que comer.

Segundo especialistas, entre todas as deficiências, a intelectual é a mais temida pelas famílias e a mais discriminada pela sociedade. “Somos educados para acreditar que existe uma hierarquia entre condições humanas”, diz Claudia Werneck, superintendente da Escola de Gente, uma ONG baseada no Rio de Janeiro que desenvolve projetos de inclusão social. “No colégio, as boas notas fazem a alegria dos pais. A felicidade do filho fica em segundo plano.” A Escola de Gente mediu os níveis de intolerância aos deficientes intelectuais em mais de 300 oficinas feitas em dez países. Num determinado momento da exposição, uma pergunta é feita à plateia: “Quem daqui é gente?”. O palestrante segue fazendo questionamentos que provocam o público. “Pelo menos 90% dos presentes dizem que é humano quem tem o intelecto funcionando bem”, afirma Claudia.

Fonte: http://arivieiracet.blogspot.com/

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Entrevista com Keyla Ferrari - diretora da ONG CEDAI (Campinas)

Conforme divulgamos anteriormente, a pedagoga e bailarina Keyla Ferrari, diretora do CEDAI gentilmente nos concedeu uma entrevista, assim podemos compartilhar com todos um momento especial e em suas palavras todos perceberão a grandiosidade de seu trabalho junto aos deficientes. Aproveitamos para agradecê-la por partilhar um pouco a sua história.


Keyla Ferrari Lopes, com habilitação em Educação Especial, especialista em Musicoterapia e Teatro-dança, realizados no Brasil, Argentina e Inglaterra, Psicomotricidade e Atividade Motora Adaptada. Formada em Ballet Clássico, cursou Dança Social, Contato e Improvisação em Londres – Inglaterra, onde iniciou maior integração com bailarinos portadores de deficiência física. Atualmente é mestranda em Educação Especial, pela Universidade de Lisboa.

Keyla atua com dança em instituições e escolas de Ensino Regular e de Educação Especial desde 1993, conforme consta em seu livro “Encontros com a dança – bailarinos muito especiais” ministra palestras, oficinas, e desenvolve ações de formação para profissionais das áreas de Educação e Saúde no Brasil e em Portugal, participa de conferências e eventos em que possa difundir seu projeto e fortalecer o segmento. Representa o Brasil como pessoa física e jurídica em outros países da Europa como membro permanente, face aos órgãos internacionais, ministrando palestras e vídeos conferência.

Ainda neste ano irá para a Suíça e Itália coordenar um seminário, intercambiando profissionais e pessoas com necessidades educativas especiais do Brasil e da Europa, através do CEDAI.
Para efetivar e legitimar sua proposta cadastra e integra profissionais e/ou amadores: bailarinos, fisioterapeutas, atores, pedagogos e professores, familiares de alunos (todos voluntários) para o atendimento de crianças, jovens e adultos, com diferentes condições de deficiências tais como: auditiva, física, visual, mental, Síndrome de Down, cadeirantes e outras.

O CEDAI existe há mais de 10 anos, porém como organização efetiva, há pouco mais de 5 anos. Seu crescimento qualitativo e quantitativo revela o compromisso e a relevância do projeto para a sociedade em geral, e principalmente para seus membros. Familiares, acompanhantes e os próprios alunos revelam que este trabalho possibilitou a realização de sonhos: o sonho de dançar (com os olhos, com as mãos, pernas, braços, cabeça, sobre rodas, apoiados em muletas ou andadores); o sonho de ser bailarina (o), de voar apoiado nas mãos dos bailarinos andantes e outros profissionais. Destacam que é emocionante se apresentar num palco e ver as pessoas se emocionarem, aplaudir o espetáculo e os atores, serem cumprimentados após as apresentações, pousar para fotos, distribuir autógrafos, dar entrevistas para jornais e TV, enfim, “ser estrelas”.

Atualmente o projeto atende cerca de 50 alunos de várias faixas etárias e de diferentes potencialidades artísticas e rítmicas, respeitando as limitações de cada um e aprimorando suas potencialidades.
As aulas, que são gratuitas e os ensaios, acontecem regularmente


Pedagogiando - Como e quando surgiu o CEDAI?
Keyla - Surgiu em 2002, eu tinha a intenção de criar um espaço de arte, prazer e interação oferecendo oportunidades de convivência pára pessoas com e sem deficiência fora dos ambientes das entidades, instituições e CENTROS DE REABILITAÇÃO. Ou seja, algo mais que elas pudessem frequentar não pela necessidade, mas SIM POR MOTIVAÇÃO PESSOAL.

Pedagogiando - Quais os objetivos do Centro?
Keyla - Realizar arte, dança e música com todas as pessoas independente de idade, classe social, condição física, motora, mental ou sensorial. Mas levar a beleza da diversidade através de encontros corporais, encontros de histórias de vida e exemplos de boa vontade e disponibilidade.

Pedagogiando - O que é dança integrada?
Keyla - Na verdade dança integrada não é necessariamente um conceito, mas precisávamos de um nome para que as pessoas pudessem ler e ouvir e perceber que não se trataria de uma aula de dança convencional de academia, por isto centro de dança integrado.

Pedagogiando - Com a dança integrada, o que muda na vida dos integrantes?
Keyla - Cada um dos integrantes passam pelo seu processo individual e peculiar, com suas experiências e histórias de vida, entretanto percebo sempre uma melhora na auto - estima, na postura, na maneira de se relacionar com o outro, entre outros benefícios físicos motores e psicológicos.

Pedagogiando - Fala- se muito também na integração do portador de deficiência. Existe diferença entre inclusão e integração?
Keyla - Com certeza existe diferença. mas prefiro deixar estes conceitos para mais tarde. Vou falar na inclusão do dançarino com deficiência. Pois estar incluido é antes de mais nada, sentir-se incluido aceito, querido e valorizado por um grupo, inclusão é também um sentimento de pertença e acho que nossos dançarinos sentem-se parte do CEDAI enquanto grupo, pois sem cada um deles o CEDAI não existiria.

Pedagogiando - No sentido de tornar eficaz a integração do bailarino com deficiência que tipo de ação pode ser sugerida?
Keyla - Estes dias passamos por uma experiência chata e muito triste, fomos chamados para fazer uma apresentação no evento de uma mega empresa se São Paulo com contrato e tudo. A organizadora do evento é que nos procurou e ficou encantada com o trabalho, porém quando já estava quase tudo certo para fecharmos o contrato, um diretor acima dela barrou o nosso trabalho e cancelou tudo . Sabe o que ele alegou? Colocar pessoas com deficiência no palco seria muito deprimente e emocional ele queria um grupo de axé. Isto mostra que as pessoas ainda não estão preparadas para ver e entender que dançar numa cadeira de rodas não é deprimente e nem emocional, se ele assistisse a beleza e alegria do espetáculo ele teria outra percepção, mas ele não nos deu a chance de mostrar. Sendo assim, penso que precisamos fazer mais espetáculo incluindo pessoas com e sem deficiência e mostrar qualidade nestes espetáculos para cada vez mais mudar a visão cética e preconceituosa de algumas pessoas.

Pedagogiando - Qual a vantagem para um bailarino sem deficiência dançar ao lado de um bailarino com deficiência?
Keyla - Muitas... cada um enriquece com a experiência e com a convivência com o outro. é mágico, poder se ajudar, se tocar e compartilhar emoções e afetos.

Pedagogiando - Certamente, as coreografias e também as práticas pedagógicas precisam ser revistas. Como as atividades são selecionadas e planejadas para que todos participem?
Keyla - Estamos sempre adaptando e também fazendo práticas que possam dar liberdade criativa para que cada um participe de acordo com suas possibilidades.

Pedagogiando - Como a convivência entre as pessoas diferentes pode contribuir para cada um de nós?
Keyla - Falarei por mim, OK??? Não sou nada sem eles. Amo cada um em particular, eles me fazem uma artista mais feliz.

Pedagogiando - Você considera a sociedade preparada para a inclusão?
Keyla - Ainda não, mas estamos caminhando um passo de cada vez, já melhorou muito.

Pedagogiando - O que mais a impressionou nas apresentações?
Keyla - As reações da platéia são sempre emocionantes, aplaudem em pé, são carinhosos na maioria das vezes, pois ficam encantados e querem se aproximar dos dançarinos.

Pedagogiando - Qual a sua mensagem para os deficientes, familiares e professores?
Keyla - Dancem mais, amem, sintam e vivam a vida intensamente sem se preocupar tanto com olhares alheios.

domingo, 3 de julho de 2011

Para pensar...

Fonte: Banco de imagens

"No país de Alice, os próprios problemas mudam de perspectiva.O menino chateia-se com seus bigodes? Pois olhe os do Coelho. A menina acha ruim o tamanho do seu queixo? Nada parecido com o da Rainha. O garoto é o baixinho da turma no colégio? Pequena mesmo é a lagarta, e ela está muito satisfeita com isso."
Paulo Henrique Fernandes Silveira