Fonte: Banco de Imagens
" Olhar é ao mesmo tempo, sair de si e trazer o mundo para dentro de si. Porque estamos certos de que a visão depende de nós e se origina em nossos olhos, expondo nosso interior ao exterior, falamos em janelas da alma".
Marilena Chauí
“Na vida só há um modo de ser feliz. Viver para os outros.”
Léon Tolstoi
domingo, 28 de agosto de 2011
Marcelo Flaquer, meu aluno
Entrevista de Marcelo Flaquer ao professor Ari Vieira
Minhas amigas e amigos. Marcelo Flaquer poderia ter sido um aluno como outro qualquer na minha carreira, mas não foi, ele marcou. Sou um dos tutores e elaborador do curso Inclusão da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida na Educação para o Trânsito da Cia. Engenharia de Tráfego de São Paulo. Numa dessas turmas um aluno se apresentou e acrescentou uma característica pessoal, “sou autista”. Confesso que fiquei preocupado no começo, afinal, como iria estabelecer com ele uma interação? Foi uma surpresa e aprendizado para mim. Marcelo participou das atividades, cumpriu todos os requisitos do curso e me mostrou que o autismo é apenas uma situação que o torna diferente, no entanto, isso não o deixa em desvantagem em relação aos demais. A mesma coisa acontece comigo: a cadeira de rodas apenas me faz diferente, no entanto, a nossa deficiência não nos torna incapaz em relação aos outros, o ambiente em que vivemos é o fator capacitante ou incapacitante da pessoa com deficiência. Minha relação com Marcelo Flaquer foi tão rica que o entrevistei. Assim posso compartilhar com todos um momento especial para mim e nas palavras dele vocês perceberão a sabedoria daqueles que ao ter uma oportunidade na vida sabem segurá-la e explorá-la com sabedoria.
Ari – Marcelo, para começarmos a conversa, fale um pouco sobre você. Seu currículo, nome completo, idade, o que você faz na vida e o que você achar importante.
Marcelo - Sou Marcelo Silveira Flaquer, nasci em Campinas –SP e tenho 22 anos. Faço Pedagogia na Universidade Metodista de SP e sou autista.
Ari– E a sua infância, como é a vida de uma criança autista?
Marcelo - Tive uma infância como a de muitas crianças, morávamos na Praia Grande, então eu ia à praia, jogava bola, brincava com os meus coleguinhas. Mas tb, em muitos momentos, principalmente na escola sofríamos discriminação por sermos “diferentes”. Digo sofríamos, pq meu irmão mais velho Guilherme, também é autista.
Ari– Autismo, o nome e a definição ainda são mistérios para os professores. Conte-nos como foi seu início na fase escolar. Fale de seus professores e colegas.
Marcelo – Meus pais sempre se preocuparam em nos colocar em escolas onde a direção e os professores nos compreendessem. Até o ano de 1999, freqüentamos escolas públicas. Primeiro na educação infantil e depois no ensino fundamental , mas a partir do primeiro ano, por uma determinação da secretaria de educação fomos obrigados a freqüentar a classe especial. Mas, meus pais, não concordaram com esta determinação e judicialmente conseguiram a autorização para que nós realizássemos uma prova para averiguar nossas capacidades intelectuais e a partir daí fomos para o ensino regular.
Na verdade, eu e meu irmão tínhamos muito apoio dos meus pais, foram eles que nos alfabetizaram, que nos ensinaram matemática, que liam para nós dois, poesias, romances, contos, livros de história, geografia, revistas, nos levavam a museus, exposições de arte, shows, teatros. Para eles era importante que conhecêssemos todo tipo de arte e cultura.
Ari – Marcelo, você encontrou muita resistência na escola para se inserir em todo contexto escolar?
Marcelo- Não. Mas meu irmão sim. Em 1999 meu pai faleceu e minha mãe foi obrigada a voltar a trabalhar e nos colocou em uma escola particular em Campinas.
Estávamos ainda muito abalados, minha mãe ausente de casa o dia todo, escola nova e o fato de saber que nunca mais estaríamos com o meu pai. Então um dia, meu irmão chegou muito nervoso em casa. Mas não contou o que tinha acontecido. No dia seguinte a mesma coisa. Aí minha mãe foi procurar o professor para saber o que tinha acontecido e ele não estava. Mas depois enviou um bilhete pedindo que meu pai fosse conversar com ele. Como????? Meu pai tinha falecido e todos na escola sabiam!! Aí meu irmão contou que o professor de história tinha obrigado à ele andar de joelhos, engatinhando e pedindo licença para entrar. Minha mãe não se conformou, nos trocou de escola e denunciou o fato à imprensa.
Ari – E sua família? Sabemos o quanto é fundamental o apoio familiar. Autismo costuma assustar as famílias no início e depois com o passar dos anos, os pais começam a observar nos filhos outros valores, isso de certa forma aconteceu com você?
Marcelo- Como eu disse, meus pais sempre nos apoiaram. Sem eles, com certeza não teríamos conseguido realizar nossos sonhos. Meu irmão tem 24 anos, é tecnólogo, está concluindo a segunda pós graduação e sua tese é sobre a inclusão no ensino superior. E eu estou me formando. Às vezes eu nem acredito que estou conseguindo. Mas, eu não posso esquecer que toda a minha família tb sempre me apoiou, meus avós, meus tios, meu padrasto.
Ari – Outro dia conversando com uma professora de São Paulo ela me disse que estava com um aluno autista (ela é professora do ensino fundamental) e que não sabia por onde começar a estabelecer comunicação. Essa professora vai ler sua entrevista e assim, o que você a orientaria para que ela tenha uma relação harmoniosa com seu aluno?
Marcelo- Hj além de ser autista, Tb sou quase um educador. Acredito que o primeiro é se informar sobre a síndrome. Acredito Tb que essa criança deve estar recebendo atendimento em alguma instituição. Aqui em Campinas, temos a Adacamp, onde eu faço acompanhamento até hj. Ela deve entrar em contato com os profissionais que o atendem e juntos encontrarem o caminho. Não há fórmulas, cada criança é diferente, têm necessidades diferentes. Mas com dedicação e carinho e claro, respeitando o tempo desse aluno, ela encontrará a melhor forma de agir. Ah, é importante tb que ela não permita que aja discriminação, essa criança precisa se sentir incluída, participante, precisa se sentir feliz. Acho que é o mais importante, aí o aprendizado surge naturalmente.
Ari – Marcelo vamos desvendar essa questão do autismo? As pessoas de modo geral pensam que pessoas autistas não se relacionam, não aprendem, não trabalham e você contraria todos estes estigmas, você estudou, faz faculdade, se relaciona, faz o nosso curso a distância, enfim, você participa de tudo como qualquer outra pessoa. Marcelo, como você conseguiu superar tantas barreiras?
Marcelo- Não é bem assim. Por exemplo,, não tenho amigos que freqüentem a minha casa, nunca tive uma namorada, não consigo passar em entrevistas para emprego. E quanto à faculdade, tenho apoio de toda a equipe, professores, funcionários, tenho mais tempo para realizar as provas e uma pessoa que a lê para mim. Mas não me preocupo com nada disso. Penso que quem gostar realmente de mim, tem que me aceitar como sou, com minhas manias, minha dificuldade em me comunicar, meu jeito desengonçado de andar, de dançar. Mas não desisto e vou à luta! E penso também, que se meu irmão já está em seu segundo emprego (apesar de não se na área dele), eu tb conseguirei!
Ari – E sua adolescência? Fale-nos um pouco dela.
Marcelo- Foi tranqüila. Não passei por dramas de namoro, de paixão. Aquela coisa de adolescente. Mas, saía, ia a baladas, cinemas, shoppings, viajava. Sempre com a minha família e amigos da minha mãe ou com o meu irmão. Uma vez minha mãe mandou a gente viajar sozinhos para a praia, para aprendermos. Ficamos 15 dias na praia, tínhamos que cozinhar, arrumar o apartamento, fazer compra, controlar o dinheiro,... telefonávamos para ela o dia todo, cheguei até a perder meu RG!! Mas, ela nos tranqüilizava, nos orientava em tudo e foi um super aprendizado!! Mas, também é importante eu dizer que sabia quando as pessoas me olhavam diferente, ou faziam sinais, enfim, de alguma maneira me faziam sentir diferenciado, mas procurei ignorar todos esses momentos desagradáveis (e foram muitos!).
Ari – Agora adulto, você estuda Pedagogia e vai se formar este ano. Quais seus planos profissionais para o futuro?
Marcelo - Na verdade, fiz pedagogia para trabalhar com a terceira idade, é o que gosto. Participo de um núcleo de estudos do Sesc a muitos anos. Quero fazer pós em gerontologia, mas enquanto isso não acontece, gostaria muito de trabalhar em alguma escola, ao menos como auxiliar, tb gosto de estar de estar com as crianças e como já fiz o estágio obrigatório, experiência já tenho. Tenho um lema: Eu quero, eu posso, eu consigo!
Fonte: http://arivieiracet.blogspot.com/2011/04/marcelo-flaquer-meu-aluno.html
O direito à educação inclusiva, segundo a ONU
Em 13 de dezembro de 2006, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. No Artigo 24, a Convenção trata do “direito à educação”.
A inclusão escolar é o processo de adequação da escola para que todos os alunos possam receber uma educação de qualidade, cada um a partir da realidade com que ele chega à escola, independentemente de raça, etnia, gênero, situação socioeconômica, deficiências etc. É a escola que deve ser capaz de acolher todo tipo de aluno e de lhe oferecer uma educação de qualidade, ou seja, respostas educativas compatíveis com as suas habilidades, necessidades e expectativas. Por sua vez, a integração escolar é o processo tradicional de adequação do aluno às estruturas física, administrativa, curricular, pedagógica e política da escola. A integração trabalha com o pressuposto de que todos os alunos precisam ser capazes de aprender no nível pré-estabelecido pelo sistema de ensino. No caso de alunos com deficiência (intelectual, auditiva, visual, física ou múltipla), a escola comum condicionava a matrícula a uma certa prontidão que somente as escolas especiais (e, em alguns casos, as classes especiais) conseguiriam produzir.
Inspirada no lema do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (“Participação Plena e Igualdade”), tão disseminada em 1981, uma pequena parte da sociedade em muitos países começou a tomar algum conhecimento da necessidade de mudar o enfoque de seus esforços. Para que as pessoas com deficiência realmente pudessem ter participação plena e igualdade de oportunidades, seria necessário que não se pensasse tanto em adaptar as pessoas à sociedade e sim em adaptar a sociedade às pessoas. Isto deu início ao surgimento do conceito de inclusão a partir do final da década de 80.
O termo ‘necessidades especiais’ não substitui a palavra ‘deficiência’, como se imagina. A maioria das pessoas com deficiência pode apresentar necessidades especiais (na escola, no trabalho, no transporte etc.), mas nem todas as pessoas com necessidades especiais têm deficiência. As necessidades especiais são decorrentes de condições atípicas como, por exemplo: deficiências, insuficiências orgânicas, transtornos mentais, altas habilidades, experiências de vida marcantes etc. Estas condições podem ser agravadas e/ou resultantes de situações socialmente excludentes (trabalho infantil, prostituição, pobreza ou miséria, desnutrição, saneamento básico precário, abuso sexual, falta de estímulo do ambiente e de escolaridade). Na integração escolar, os alunos com deficiência eram o foco da atenção. Na inclusão escolar, o foco se amplia para os alunos com necessidades especiais (dos quais alguns têm deficiência), já que a inclusão traz para dentro da escola toda a diversidade humana.
A seguir, parágrafos e letras do Artigo 24 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência serão mencionados entre colchetes após os comentários.
Em primeiro lugar, a Convenção defende um sistema educacional inclusivo em todos os níveis [§ 5]. Em suas linhas, percebemos que a educação inclusiva é o conjunto de princípios e procedimentos implementados pelos sistemas de ensino para adequar a realidade das escolas à realidade do alunado que, por sua vez, deve representar toda a diversidade humana. Nenhum tipo de aluno poderá ser rejeitado pelas escolas [§ 2, “a”]. As escolas passam a ser chamadas inclusivas no momento em que decidem aprender com os alunos o que deve ser eliminado, modificado, substituído ou acrescentado no sistema escolar para que ele se torne totalmente acessível [§ 1; § 2, “b” e “c”; § 5]. Isto permite que cada aluno possa aprender mediante seu estilo de aprendizagem e com o uso de todas as suas inteligências [§ 1, “b”]. Portanto, a escola inclusiva percebe o aluno como um ser único e ajuda-o a aprender como uma pessoa por inteiro [§ 1, “a”].
Para a Convenção, um dos objetivos da educação é a participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre [§ 1, “c”; § 3], o que exige a construção de escolas capazes de garantir o desenvolvimento integral de todos os alunos, sem exceção.
Uma escola em processo de modificação sob o paradigma da inclusão é aquela que adota medidas concretas de acessibilidade [§ 2, “d” e “e”; § 4]. Quem deve adotar estas medidas? Professores, alunos, familiares, técnicos, funcionários, demais componentes da comunidade escolar, autoridades, entre outros. Cada uma destas pessoas tem a responsabilidade de contribuir com a sua parte, por menor que seja, para a construção da inclusividade em suas escolas. Exemplos:
Arquitetura. Ajudando a remover barreiras físicas ao redor e dentro da escola, tais como: degraus, buracos e desníveis no chão, pisos escorregadios, portas estreitas, sanitários minúsculos, má iluminação, má ventilação, má localização de móveis e equipamentos etc. [§ 1; § 2, “b” e “c”].
Comunicação. Aprendendo o básico da língua de sinais brasileira (Libras) para se comunicar com alunos surdos; entendendo o braile e o sorobã para facilitar o aprendizado de alunos cegos; usando letras em tamanho ampliado para facilitar a leitura para alunos com baixa visão; permitindo o uso de computadores de mesa e/ou notebooks para alunos com restrições motoras nas mãos; utilizando desenhos, fotos e figuras para facilitar a comunicação para alunos que tenham estilo visual de aprendizagem etc. [§ 3, “a”, “b” e “c”; § 4]
Métodos, técnicas e teorias. Aprendendo e aplicando os vários estilos de aprendizagem; aprendendo e aplicando a teoria das inteligências múltiplas; utilizando materiais didáticos adequados às necessidades especiais etc. [§ 1; § 2; § 3 e § 4].
Instrumentos. Adequando a forma como alguns alunos poderão usar o lápis, a caneta, a régua e todos os demais instrumentos de escrita, normalmente utilizados em sala de aula, na biblioteca, na secretaria administrativa, no serviço de reprografia, na lanchonete etc., na quadra de esportes etc. [§ 3, “a” e “c”; § 4]
Programas. Revendo atentamente todos os programas, regulamentos, portarias e normas da escola, a fim de garantir a eliminação de barreiras invisíveis neles contidas, que possam impedir ou dificultar a participação plena de todos os alunos, com ou sem deficiência, na vida escolar [§ 1].
Atitudes. Participando de atividades de sensibilização e conscientização, promovidas dentro e fora da escola a fim de eliminar preconceitos, estigmas e estereótipos, e estimular a convivência com alunos que tenham as mais diversas características atípicas (deficiência, síndrome, etnia, condição social etc.) para que todos aprendam a evitar comportamentos discriminatórios. Um ambiente escolar (e também familiar, comunitário etc.) que não seja preconceituoso melhora a auto-estima dos alunos e isto contribui para que eles realmente aprendam em menos tempo e com mais alegria, mais motivação, mais cooperação, mais amizade e mais felicidade [§ 4].
Fonte: http://arivieiracet.blogspot.com/2011/08/o-direito-educacao-inclusiva-segundo.html
Necessidades educacionais especiais de alunos com deficiências físicas NEURO-MOTORAS
Fonte: Banco de Imagens
Grande parte das crianças que têm deficiências físicas é beneficiada com somente algumas modificações no ambiente físico, nos materiais e equipamentos utilizados para a atividade escolar.
1. Não apresentam deficiências intelectuais e podem aprender através dos mesmos métodos empregados com crianças não deficientes. Portanto, métodos especiais de ensino só são necessários para as crianças cujas deficiências físicas sejam complicadas por dificuldades de aprendizagem resultantes de lesões neurológicas.
2. Não requerem revisões drásticas de currículo. Podem ser necessárias certas adequações em programas de estudo, sobretudo nos casos em que a deficiência é permanente e influenciará grandemente a aptidão vocacional e social futura. A falta de experiências comuns, a ausência às aulas e a necessidade de produzir lentamente podem aumentar o tempo requerido para completar os cursos previstos. Um currículo rígido, inflexível, certamente falhará em satisfazer as necessidades desses alunos, mas não há razão para que a habilidade e a flexibilidade dos professores e administradores educacionais não resultem em soluções satisfatórias para a maioria dos problemas escolares.
3. De modo geral, a finalidade da educação é a mesma, em essência, tanto para os alunos com deficiência, como para os não deficientes. “Pode, entretanto, se mostrar necessário que se elabore um plano de ensino específico para uma determinada criança, em função de sua condição física e na medida em que esta última continue a ser um fator limitativo de sua capacidade...”
As adequações mais comumente necessárias: modificações nos recursos físicos dos prédios escolares
1. Colocação de pequenos degraus inclinados ou rampas.
2. Colocação de corrimões próximos a bebedouros, a assentos dos banheiros e à lousa.
3. Remoção de carteiras, de forma a possibilitar a passagem de cadeira de rodas, ou facilitar a locomoção de alunos com muletas.
4. Modificação, no mobiliário, de forma a promover maior conforto a crianças que usam tipóia, órteses e próteses.
5. Tapetes antiderrapantes, nas áreas escorregadias.
6. Portas largas.
7. Cantos arredondados no mobiliário.
Fonte: http://arivieiracet.blogspot.com/
Grande parte das crianças que têm deficiências físicas é beneficiada com somente algumas modificações no ambiente físico, nos materiais e equipamentos utilizados para a atividade escolar.
1. Não apresentam deficiências intelectuais e podem aprender através dos mesmos métodos empregados com crianças não deficientes. Portanto, métodos especiais de ensino só são necessários para as crianças cujas deficiências físicas sejam complicadas por dificuldades de aprendizagem resultantes de lesões neurológicas.
2. Não requerem revisões drásticas de currículo. Podem ser necessárias certas adequações em programas de estudo, sobretudo nos casos em que a deficiência é permanente e influenciará grandemente a aptidão vocacional e social futura. A falta de experiências comuns, a ausência às aulas e a necessidade de produzir lentamente podem aumentar o tempo requerido para completar os cursos previstos. Um currículo rígido, inflexível, certamente falhará em satisfazer as necessidades desses alunos, mas não há razão para que a habilidade e a flexibilidade dos professores e administradores educacionais não resultem em soluções satisfatórias para a maioria dos problemas escolares.
3. De modo geral, a finalidade da educação é a mesma, em essência, tanto para os alunos com deficiência, como para os não deficientes. “Pode, entretanto, se mostrar necessário que se elabore um plano de ensino específico para uma determinada criança, em função de sua condição física e na medida em que esta última continue a ser um fator limitativo de sua capacidade...”
As adequações mais comumente necessárias: modificações nos recursos físicos dos prédios escolares
1. Colocação de pequenos degraus inclinados ou rampas.
2. Colocação de corrimões próximos a bebedouros, a assentos dos banheiros e à lousa.
3. Remoção de carteiras, de forma a possibilitar a passagem de cadeira de rodas, ou facilitar a locomoção de alunos com muletas.
4. Modificação, no mobiliário, de forma a promover maior conforto a crianças que usam tipóia, órteses e próteses.
5. Tapetes antiderrapantes, nas áreas escorregadias.
6. Portas largas.
7. Cantos arredondados no mobiliário.
Fonte: http://arivieiracet.blogspot.com/
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
Palavras de Paulo Freire
Fonte: Banco de Imagens
“Mudar a cara da escola pública implica também ouvir meninos e meninas, sociedades de bairro, pais, mães. Diretoras, delegados de ensino, professoras, supervisoras, comunidade científica, zeladores, merendeiras(...). É claro que não é fácil! Há obstáculos de toda ordem retardando a ação transformadora. O amontoado de papéis tomando o nosso tempo, os mecanismos administrativos emperrando a marcha dos projetos, os prazos para isto, para aquilo, um deus nos acuda (...).” (p. 35,75)
Fonte: FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
“Mudar a cara da escola pública implica também ouvir meninos e meninas, sociedades de bairro, pais, mães. Diretoras, delegados de ensino, professoras, supervisoras, comunidade científica, zeladores, merendeiras(...). É claro que não é fácil! Há obstáculos de toda ordem retardando a ação transformadora. O amontoado de papéis tomando o nosso tempo, os mecanismos administrativos emperrando a marcha dos projetos, os prazos para isto, para aquilo, um deus nos acuda (...).” (p. 35,75)
Fonte: FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
sábado, 13 de agosto de 2011
Relatório revela descaso com a educação indígena
por Redação Aprendiz
Em 2010 foram registrados 16 casos de falta de assistência na área de educação indígena em comunidades localizadas em dez estados brasileiros. É o que demonstram os dados do relatório “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil”, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), sob a coordenação da antropóloga da PUC-SP, Lúcia Rangel, e divulgado esta semana.
Lúcia Rangel, coordenadora da publicação Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil.
Segundo o documento, os problemas na educação indígena vão desde a falta de transporte e merenda escolar, passando por ausência de professores indígenas e material didático especializado, até a inexistência de escolas e infraestrutura adequada para os estudos.
O levantamento, realizado nos estados do Acre, Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco, Rondônia, Roraima e Sergipe, aponta que esse quadro afeta hoje cerca de 1.292 crianças e adolescentes.
Além dos problemas já citados, os povos afirmam que não há respeito pelos projetos pedagógicos elaborados por eles, que a situação do professor indígena continua irregular em muitos estados, e que há constante desvio de recursos da educação para outros fins.
Um exemplo do vem ocorrendo em algumas regiões, segundo o relatório, é a comunidade Yanomami. Em 2009, cerca de 15 escolas não foram incluídas no Censo Escolar, o que as impediu de receber recursos para o material didático, merenda escolar e para o funcionamento das escolas no ano seguinte.
De acordo com Lídia Montanha Castro, coordenadora do projeto de educação do Intituto Socioambiental (ISA), a exclusão dessas escolas se deu pelo pouco tempo para o cadastramento e pela não aceitação de particularidades ligadas à tradição dos povos indígenas.
Nessas comunidades, explica Lídia, “os rituais se sobrepõem ao calendário formal. Por isso, a educação existente não consegue se encaixar nos 200 dias letivos exigidos na educação formal. A educação Yanomami também não é seriada, como o Censo exige, e essa exigência só faz com que as séries sejam forjadas, sem corresponder à realidade”, conclui a coordenadora.
Mortalidade Infantil
A publicação “Violência contra os Povos Indígenas” também destaca o aumento de 513% na taxa de mortalidade infantil, se comparado a 2009. Para o Conselho Indigenista Missionário, os altos índices de morte na infância são um reflexo da falta de políticas públicas voltadas para a saúde dos indígenas.
* Publicado originalmente no Portal Aprendiz.
Fonte: colunadosardinhaecologia.blogspot.com
Em 2010 foram registrados 16 casos de falta de assistência na área de educação indígena em comunidades localizadas em dez estados brasileiros. É o que demonstram os dados do relatório “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil”, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), sob a coordenação da antropóloga da PUC-SP, Lúcia Rangel, e divulgado esta semana.
Lúcia Rangel, coordenadora da publicação Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil.
Segundo o documento, os problemas na educação indígena vão desde a falta de transporte e merenda escolar, passando por ausência de professores indígenas e material didático especializado, até a inexistência de escolas e infraestrutura adequada para os estudos.
O levantamento, realizado nos estados do Acre, Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco, Rondônia, Roraima e Sergipe, aponta que esse quadro afeta hoje cerca de 1.292 crianças e adolescentes.
Além dos problemas já citados, os povos afirmam que não há respeito pelos projetos pedagógicos elaborados por eles, que a situação do professor indígena continua irregular em muitos estados, e que há constante desvio de recursos da educação para outros fins.
Um exemplo do vem ocorrendo em algumas regiões, segundo o relatório, é a comunidade Yanomami. Em 2009, cerca de 15 escolas não foram incluídas no Censo Escolar, o que as impediu de receber recursos para o material didático, merenda escolar e para o funcionamento das escolas no ano seguinte.
De acordo com Lídia Montanha Castro, coordenadora do projeto de educação do Intituto Socioambiental (ISA), a exclusão dessas escolas se deu pelo pouco tempo para o cadastramento e pela não aceitação de particularidades ligadas à tradição dos povos indígenas.
Nessas comunidades, explica Lídia, “os rituais se sobrepõem ao calendário formal. Por isso, a educação existente não consegue se encaixar nos 200 dias letivos exigidos na educação formal. A educação Yanomami também não é seriada, como o Censo exige, e essa exigência só faz com que as séries sejam forjadas, sem corresponder à realidade”, conclui a coordenadora.
Mortalidade Infantil
A publicação “Violência contra os Povos Indígenas” também destaca o aumento de 513% na taxa de mortalidade infantil, se comparado a 2009. Para o Conselho Indigenista Missionário, os altos índices de morte na infância são um reflexo da falta de políticas públicas voltadas para a saúde dos indígenas.
* Publicado originalmente no Portal Aprendiz.
Fonte: colunadosardinhaecologia.blogspot.com
XVIII Congresso Brasileiro de Educação Infantil
Acreditando que há muitos lugares para oportunizar uma educação infantil de qualidade, a Organização Mundial Para Educação Pré-Escolar OMEP/SP organizou o XVIII Congresso Brasileiro de Educação Infantil.
E, para a realização desta proposta, contaram com a presença de palestrantes, gestores que fazem a diferença, pesquisadores atuantes e espaços dedicados aos participantes para compartilharem experiências, idéias, sensações e fortalecer o compromisso com a infância e docência.
Cerca de 500 profissionais da Educação Infantil, de 22 estados brasileiros e dos países de Itália e Portugal, estiveram presentes no encontro realizado em São Paulo e ao final dos trabalhos elaboraram uma carta de intenções que apontam as principais dificuldades enfrentadas no setor. O documento é destinado às autoridades políticas e administrativas da esfera federal e estaduais.
A primeira reivindicação é a redefinição da Política Nacional de Educação Infantil, em consonância com os resultados da Conferência Nacional de Educação, realizada em 2010, considerando as Diretrizes Curriculares da Educação Infantil, Indicadores de Qualidade da Educação Infantil, Parâmetros Curriculares para a Educação Infantil e Plano Nacional da Primeira Infância. “Nosso desafio é lutar por uma educação infantil de qualidade, com estrutura adequada, profissionais capacitados e articular, junto a outras instituições, a promoção dos direitos da criança”, afirma a presidente da OMEP/Brasil, Maria Aparecida Salmaze.
O documento aponta necessidades emergenciais como a ampliação das matrículas, criação de instituições educacionais de qualidade e a qualificação das existentes. “Também pleiteamos pela educação em tempo integral, que atenda às exigências de um processo educativo coerente à realidade do século XXI, respeitando o direito a férias dos professores e o direito das crianças conviverem com as famílias.
Para o atendimento das crianças de forma adequada, a OMEP ressalta a importância da ampliação do orçamento destinado a Educação e da capacitação e valorização dos professores das redes de ensino pública e privada. Nesse sentido, o documento aponta que se estabeleça uma Política Nacional de Formação dos professores de Educação Infantil, com garantia de formação inicial, continuada e permanente, salários justos e condições necessárias ao desenvolvimento do trabalho dos profissionais.
Além da Educação, a Carta preconiza a estimulação de brincadeiras e a da interação infantil e ampliação de espaços lúdicos como ludotecas, bibliotecas e parques infantis, quadras esportivas e praças nas capitais e nos municípios. “Nas escolas, a ludicidade é defendida de forma estruturada, com conhecimento e preocupação metodológica. O professor precisa vivenciar as diversas formas de expressão, conhecer a realidade, a história e a cultura da comunidade em que a criança está inserida”, complementa Salmaze.
CARTA DE SÃO PAULO
Nós professores, especialistas em Educação Infantil, gestores educacionais e pesquisadores, totalizando 500 profissionais, oriundos de 2 países, 22 Estados e do Distrito Federal, reunidos no 18º Congresso Brasileiro de Educação Infantil, promovido pela Organização Mundial de Educação Pré-Escolar – OMEP Brasil e organizado pela Federação OMEP/BR/SÃO PAULO, na cidade de SÃO PAULO, Universidade Anhembi Morumbi nos dias 28, 29 e 30 de julho de 2011, pautado nas “Práticas que entusiasmam este cotidiano”, vimos apresentar aos governantes, representantes do judiciário sociedade civil, os pressupostos que orientam nossas ações e firmam nosso compromisso com as crianças brasileiras, e devem orientar as Políticas Públicas Sociais. CONSIDERANDO:
• Os preceitos constitucionais;
Art. 7º. Inc. XXV - Assistência gratuita aos filhos dependentes desde o nascimento até 5 anos de idade em creche e pré-escola,
Art. 208. Inc. IV – Educação Infantil em creche e pré-escola às crianças até 5 anos de idade,
Art. 227 - É deve da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direita à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade Ed à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão; Reafirmado pela Lei 8.069/1990 em seu art. 4º.
Reafirma-se:
1. A criança como sujeito de direitos, ator social, em desenvolvimento
pleno e prioridade absoluta:
1.1. a criança brasileira, na faixa etária de 0 a 6 anos tem direito à Educação infantil de qualidade;
1.2. a criança tem direito a viver a infância nas instituições de educação;
1.3. a criança tem direito de viver, brincar, conhecer e explorar o mundo;
1.4. a criança tem direito a ser educada em espaços institucionais de qualidade;
1.5. a criança tem direito de ser educado por professores com formação superior específica em Educação Infantil;
1.6. a criança tem direito de falar, pensar, expressar suas opiniões e participar ativamente do seu processo educativo.
2. A valorização e formação dos profissionais da Primeira Infância através:
2.1. Definição e implantação, pelo poder público, de ações de valorização dos profissionais que atuam com as crianças na Primeira Infância, através do estabelecimento do plano de cargos e salários, considerando a lei do piso salarial nacional. 2.2. Discussão ampliada com as universidades e demais agências formadoras:
a) Relação teoria e prática no contexto educacional;
b) Disciplinas propostas, tendo a centralidade na criança, na família, nas múltiplas linguagens;
c) Disciplinas voltadas à sedimentação do conhecimento sobre o patrimônio histórico, cultural, artístico, científico e tecnológico;
2.3. Currículo que garanta a formação de um profissional reflexivo, ético e investigador, capaz de atuar de forma compromissada e enfrentar os dilemas e problemas da ação docente;
2.4. Valorização humana e profissional do professor, como sujeito de direitos, crítico, criativo e transformador;
Propomos que:
• que se redefina uma Política Nacional de Educação Infantil, em consonância com os resultados da Conferência Nacional de Educação, realizada em 2010, considerando os documentos oficiais existentes: Diretrizes Curriculares da Educação Infantil, Indicadores de Qualidade da Educação Infantil, Parâmetros Curriculares para a Educação Infantil e Plano Nacional da Primeira Infância;
• que se priorize efetivamente a Educação Infantil, com ampliação das matrículas, criação de instituições educacionais de qualidade, e a qualificação das existentes, proporcionando uma educação em tempo integral, respeitando o direito à férias dos professores e o direito das crianças conviverem com as famílias, e atenda às exigências de um processo educativo coerente à realidade do século XXI;
• que se crie espaços que possibilitem à criança o Direito de Brincar, e ludotecas, bibliotecas infantis, parques infantis, quadras esportivas, praças e outros espaços facilitadores da interação infantil, nas capitais e nos municípios;
• que se estabeleça uma Política Nacional de Formação dos professores de Educação Infantil, que garanta a unidade dos aspectos essenciais à educação a Primeira Infância, subsidiada pelos princípios de intersetorialidade;
• que o brincar seja uma preocupação metodológica dos professores, vivenciado em suas diversas formas de expressão, levando-se em consideração o aspecto histórico/cultural da comunidade em que a criança
está inserida; a criança cidadã e sujeito de direitos, inserida na cultura e, ao mesmo tempo, portadora e produtora de cultura;
• que se garanta formação inicial, continuada e permanente dos professores de Educação Infantil, coerente com a produção científica da área, respeitando a infância nos diversos contextos sociais;
• que se garanta salários justos e ofereça as condições necessárias ao desenvolvimento do trabalho qualitativo dos profissionais da educação, reconhecendo sua condição de professores;
• que o orçamento público voltado à Educação Infantil seja ampliando e sua aplicação seja estabelecida em planos de metas que garanta o efetivo atendimento de qualidade às crianças.
Mediante os compromissos firmados, a OMEP Brasil cria o DIA NACIONAL DA OMEP, pelo direito de ser criança, no último sábado de Setembro de cada ano, para realizar ações de mobilizações e garantir à criança o direito de viver, brincar, conhecer e explorar o mundo.
São Paulo, 30 de julho de 2011.
Maria Aparecida Salmaze Vera Melis Paolillo
Presidente da OMEP/BRASIL Presidente da OMEP/BR/SP
Fonte:http://www.omep.org.br/
domingo, 7 de agosto de 2011
Casa do Zezinho é exemplo do sucesso da combinação de afeto e pedagogia
A Casa do Zezinho, na periferia paulistana, encontrou a fórmula da mudança
MAURICIO MONTEIRO FILHO • AMANDA RAHRA
No dia de seu quinquagésimo sétimo aniversário, Tia Dag ganhou, entre várias homenagens, uma versão especial da música Para não Dizer que não Falei das Flores, de Geraldo Vandré. A canção foi executada por uma orquestra formada exclusivamente por jovens moradores da pobre zona sul de São Paulo. Meninos e meninas que ela só chama de “zezinhos”, apesar de conhecer seus nomes, sobrenomes, medos e sonhos.
Quando o maestro anunciou a atração, lembrou o pronunciamento realizado por Geraldo Alckmin na véspera. Em entrevista naquele 15 de abril, o governador trouxe a público dados que revelam tempos de paz inéditos para o estado. “Pela primeira vez em toda a série histórica, São Paulo atende aos índices da Organização Mundial de Saúde, que estabelece que [o número de homicídios] fique abaixo de dez por 100 mil habitantes. São Paulo chegou a 9,52 no primeiro trimestre”, disse Alckmin. A taxa, inclusive, colocava o estado bem abaixo da média nacional, que é de 25,4 para cada 100 mil pessoas.
A apresentação do maestro, no entanto, fazia referência às letras miúdas da estatística. Mesmo num contexto de redução sistêmica da violência urbana, a zona sul da capital paulista continuava encabeçando o ranking de crimes violentos no estado. Mais especificamente, era num raio de poucos quilômetros a partir de onde Tia Dag observava a festa montada para ela que se concentrava o maior número de homicídios na cidade. Enquanto São Paulo toda tinha motivos para comemorar, Tia Dag iria dormir um ano mais velha na região que seguiria ostentando esse recorde ingrato.
A liderança não é novidade por aquelas bandas. Em 1996, o distrito do Jardim Ângela, próximo dali, chegou a ser considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) o local mais violento do planeta, batendo até a contagem de mortes do narcotráfico colombiano, no auge das ações do cartel de Cali. Sempre no topo dessa lista da vergonha, a área formada por Jardim Ângela, Jardim São Luís e Capão Redondo ganhou o nome de triângulo da morte, que mantém até hoje. Em 2011, os números propõem uma nova geometria para o mesmo estigma: a região compreendida pelos departamentos de polícia do Parque Santo Antônio, do Campo Limpo e do Capão Redondo é a mais sangrenta da capital. Lá, foram registrados 31 dos 220 assassinatos ocorridos no primeiro trimestre do ano.
O tom da fala do maestro, porém, orbitava num campo harmônico bem mais alegre que o das manchetes. Ao apresentar a primeira violinista da orquestra, ele fez questão de enfatizar onde a garota morava: no Parque Santo Antônio, um dos vértices do novo triângulo da morte. Para Tia Dag, as notícias sobre a onda de violência na zona sul paulistana são mais do mesmo. Transformador, porém, é ouvir as notas de puro talento que brotam do violino da garota, apesar de todos os pesares. Ou justamente por causa deles. Depois de mais de 20 anos atuando dia e noite para melhorar a vida dos jovens da região, ela sabe melhor que ninguém que é exatamente nas áreas de maior conflito que nascem as forças que o dirimirão.
E é na Casa do Zezinho (CZ), organização social voltada para a educação fundada por Tia Dag, que esses meninos e meninas encontrarão a fórmula perfeita de afeto e pedagogia para se tornar agentes dessa mudança.
Ponte Parque Santo Antônio-EUA.
Dias depois de seu aniversário, Tia Dag seguiu para uma viagem de duas semanas à cidade de San Francisco, no estado americano da Califórnia. O roteiro incluía visitas a diversas entidades sociais locais e palestras na Universidade de San Francisco sobre a metodologia revolucionária de educação aplicada na Casa do Zezinho. Pelo menos era o que estava previsto. Em vez de falar, ela queria mesmo era testar a reação dos universitários da costa oeste dos Estados Unidos diante da realidade da zona sul da capital paulista. E estava mais interessada em ouvir. Numa das palestras, começou mostrando um vídeo sobre a CZ e abriu para perguntas da plateia. Acabou extrapolando o tempo de uma hora de sua fala, magnetizando os jovens durante três.
Nem a tradutora ficou incólume. Como todos ali, ela se emocionou com os relatos de Tia Dag. Ao final da palestra, foi pedir desculpas à oradora, dizendo que havia sido pouco profissional. “Eu disse que ela estava sendo, na verdade, muito profissional, porque estava sendo verdadeira. Chorar é legal, porque traz à tona a humanidade da pessoa”, conta Dag.
E não foi só por fatos como esse que, durante a viagem, ela constatou que a CZ é mesmo única. “Não encontrei nada parecido com o que temos aqui, essa preocupação com ouvir o outro, com saber o que está acontecendo com a criança e com o jovem de maneira integral. Lá, tudo é muito quantitativo. São números e estatísticas sobre as pessoas beneficiadas. Na Casa do Zezinho, somos muito mais qualitativos, pois respeitamos e queremos saber a história, os saberes, desafios e sonhos de cada um – que tem um nome, uma identidade e uma trajetória diferente”, diz ela.
Como resultado da estada nos Estados Unidos, Dag criou pontes importantes. Dezesseis estudantes de sociologia e estudos latino-americanos da Universidade de San Francisco vão passar seis meses na Casa do Zezinho para mergulhar no universo do Parque Santo Antônio, inclusive morando no bairro, e na pedagogia desenvolvida pela instituição. Em contrapartida, oito zezinhos terão bolsa integral para fazer o curso que escolherem na universidade americana. “Já avisei alguns dos mais velhos por aqui: vocês têm um ano para aprender inglês. Se virem! Vão estudar, fazer curso online... Essa é uma grande chance”, declara Dag.
Com o incentivo, ela está dando aos zezinhos a chance de ampliar horizontes que ela mesma demorou para explorar. Essa foi sua primeira viagem aos EUA. “Eu tinha muito preconceito, porque pensava que todo americano era dominador, alienado, capitalista selvagem. Mas percebi que estava fazendo com eles a mesma coisa que eles fazem com a gente”, assume.
De Dagmar a Dag
A jornada que levou Tia Dag a quebrar os próprios preconceitos começou décadas antes, quando ela ainda era Dagmar Garroux. Mais de 30 anos atrás, a pedagoga começou a trabalhar com crianças que tinham problemas de aprendizagem devido a traumas graves. Eram refugiados de guerras e ditaduras, como a do Chile. Para romper o ciclo de sofrimento desses meninos e meninas, ela os confrontava com outra realidade traumática, igualmente sofrida na carne por outras crianças: a da exclusão social na periferia de São Paulo. E, magicamente, desse choque surgia a iluminação e se abria o caminho para o saber. Dagmar realizava esse trabalho na Favela do Fedô, próxima da Vila das Belezas, na zona sul da cidade, onde morava.
Aparentemente, porém, a bússola mental de Tia Dag aponta sempre e obstinadamente para o sul. No início da década de 1990, essa fixação a levou a comprar, junto com o marido, Saulo Garroux, uma casa próxima de onde hoje funciona a Casa do Zezinho. Na época, ali se formou o núcleo que viria a fazer da CZ uma referência capaz de cruzar fronteiras.
Então, em setembro de 1993, com apenas sete crianças, foram iniciadas as atividades da CZ. Naquela época, eram somente duas oficinas: cerâmica e reciclagem de papel. E os encontros só ocorriam duas tardes por semana.
Ana D’Água Sandoval foi uma das pioneiras que fundou a casa com Tia Dag.
Ela conta que, a cada dia, uma das voluntárias faltava em seu trabalho regular para cuidar das crianças. “A gente improvisava. Oferecíamos lanche, dávamos aula de artes com o que tínhamos disponível e fazíamos de tudo para conquistar os meninos, mesmo porque a rua é um lugar muito sedutor, que oferece uma aparente liberdade. Era aquela bagunça, mas era assim que a gente conseguia passar conceitos fundamentais sobre cidadania, trabalho em equipe e até conteúdos de português, matemática, química, física... Tudo misturado e real. A gente queria trazer essa sensação de liberdade para dentro da Casa do Zezinho.”
Se o começo foi tímido, os sonhos eram os mais grandiosos. A ponto de Dag ter se valido de uma licença poética para criar o nome de sua instituição. Com o célebre poema de Drummond “E agora, José?” em mente, a pedagoga pensou que, para aquelas crianças carentes, o verso necessário era: “É agora, José!” Daí veio o nome de zezinhos para os meninos e meninas que frequentam a casa.
E eles passaram a aparecer cada vez em maior número. No começo de 1994, já eram 20. No final de 1995, 75. No ano seguinte, foi necessário reformar a casa para dar conta de todos os zezinhos. O momento foi também um marco pedagógico, porque a partir de então começou a se esboçar a atual estrutura de funcionamento, com atividades em período integral e a divisão das crianças em 3 grupos, a partir do critério de nível de aprendizagem, maturidade e desenvolvimento biopsicopedagógico.
Hoje, a nova sede, cujo terreno foi comprado por um grupo de empresários e doado à entidade, já está ficando pequena para os cerca de 1,5 mil zezinhos de 6 a 21 anos que frequentam a CZ em busca de atividades esportivas, artísticas, de complemento à educação formal e capacitação profissional.
Cacos de vida
A oficina de mosaico fica numa sala ampla e ensolarada, onde garotos e garotas se debruçam lado a lado sobre mesas, fazendo arte a partir de cacos de azulejos e pastilhas. Carlos Eduardo Ferreira da Silva, um dos mais velhos, já ganhou um ar zen depois de anos dedicados ao ofício solitário e meticuloso. “É a melhor maneira de colocar a cabeça em ordem. É uma terapia”, justifica ele.
Seu sonho era ser jogador de futebol. Passou boa parte da infância e da adolescência numa via-crúcis de peneiras, passando por baixo das catracas dos ônibus, mirando a posição de meia ou atacante. “Mas eu só levava ‘não’. Recebia muitos elogios, mas os agentes queriam grana para me selecionar”, conta ele.
No auge dessa busca, aos 12 anos, começou a frequentar a Casa do Zezinho. Ia um pouco a contragosto, ainda com os campos de futebol na cabeça. Talvez, porém, porque Carlos precisasse de uma base sólida que o esporte nunca lhe daria, a arte começou a ganhar da bola.
Como a esmagadora maioria dos zezinhos, ele vinha de um lar desestruturado. Seu pai era alcoólatra. “Ele era refém do vício”, lembra Carlos, com uma tranquilidade incompatível com seus 21 anos. Era o menino quem levava o pai ao pronto-socorro quando a mãe não podia. Tanta tristeza o fez mudar de sonho. “Queria ser maior que o sofrimento dele”, declara Carlos. Numa lógica dolorosamente cristã, quanto mais sentia na pele a violência do pai, mais queria fazê-lo feliz.
Ele, no entanto, sabia que a vida não seria tão condescendente com o alcoolismo. E não foi: o pai morreu precocemente. Toda essa espiral de sofrimento fez Carlos mergulhar ainda mais no mosaico. Era nos quadros que encontrava a palavra que ele mais repete: paciência. “A pressa só dá a batida errada”, define ele.
Por pura urgência, lembrando as duas carteiras de trabalho que o pai encheu, Carlos começou sua vida profissional. Não conseguiu, porém, se encontrar em nenhum dos empregos. “Trabalhei num colégio britânico, de terno. Mas só ficava pensando nos zezinhos”, conta.
Por isso, retornou. Afinal, era só na CZ que ele atingia sua plenitude de monge. E, por conta dela, acabou virando uma referência para os menores. “Voltei para dar aos outros zezinhos aquilo que não tive com meu pai”, diz.
Mais que uma reinvenção da figura paternal, o mosaico é, para Carlos, uma forma de ver a favela sob novos ângulos. E ressignificar sua realidade. “Coloco a minha verdade no quadro, não as mentiras, os blocos marrons com furos de bala. Por que o rio não pode ser colorido?”, questiona.
Não por acaso, o tema preferido nos mosaicos que faz é a favela. A própria Tia Dag encomendou um, o maior que ele já criou e que levou sete semanas para ficar pronto. Sobre um fundo azul, estão os barracos coloridos, pessoas no orelhão e meninos empinando pipa. Tudo isso circundando o campo de futebol da comunidade. Diante de um desses trabalhos, um zezinho lhe perguntou: “Tio, por que a favela não é assim”? Para Carlos, ela é exatamente assim.
Os educadores da casa frequentemente comentam que a oficina de mosaico é a mais procurada pelos jovens. Segundo eles, há uma explicação. Os cacos seriam metáforas perfeitas para a fragmentação da vida desses jovens. Reorganizando os pedacinhos em figuras harmônicas e alegres, eles estariam amenizando o peso que a violência, o tráfico, a exclusão e os frágeis laços familiares têm em sua vida.
De volta para casa
Júlio de Sena, um dos primeiros zezinhos, já foi um desses jovens que teve a vida em cacos. Chegou à casa em 1994, quando ela era um sobrado e a rua ainda era de terra.
Ele tomava conta de carros e estava sempre no campinho do Parque Santo Antônio. Foi quando ouviu dizer que uma mulher lá de cima dava comida de graça e poderia ajudar. “Lembro até hoje da primeira vez que vi Tia Dag. Eu tinha uns 11 anos e a achei uma mulher muito bonita. Ela logo começou a falar que queria fazer um trabalho com a gente. Ofereceu um lanche e disse que poderíamos aparecer lá de segunda a sexta. Ela fazia uns vasos de argila e a Ana D’Água nos ensinava a reciclar papel numa banheira velha. Mas a gente gostava mesmo era do lanche”, diverte-se.
Segundo Júlio, a CZ era uma ilha de segurança. Ele, porém, tinha de voltar para casa. E em sua rua havia uma “biqueira” – ponto de venda de drogas. “Eu sempre percebia que os traficantes tinham tudo muito fácil e a gente chegava em casa e não tinha nada”, recorda.
Então, quando a mãe – “uma baiana brava, que tinha regras e ensinou a gente a ter respeito e educação” – morreu, em 2000, os filhos ficaram desamparados. O irmão de Júlio, na época com 16 anos, começou a roubar. “Eu o seguia para ver o que ele ia fazer. Acabei me envolvendo e tinha de andar armado para não morrer na guerra do tráfico”, conta.
“Eu me afastei da Casa do Zezinho, mas tem uma cena que não esqueço: um dia, estava chegando na CZ quando parou uma viatura de polícia perguntando por mim. E Tia Dag e Corina [uma das fundadoras da instituição] me defenderam. Eles estavam me acusando de homicídio, mas eu nunca matei ninguém. Então, elas conversaram com os policiais e disseram que eu não seria capaz de uma coisa dessas. Aquilo me tocou muito, porque elas me defenderam como se eu fosse filho de verdade”, relembra Júlio.
A vida errada o levou a perder muitos amigos e o forçou a estar fugindo o tempo todo. Vendo que, dessa maneira, havia ficado privado de liberdade, decidiu abandonar o crime. “Fui falar com o chefe, na casa dele. Eu tinha medo, mas o que me deu coragem foi lembrar que havia outro caminho, que a Casa do Zezinho tinha me mostrado que a gente podia ser algo diferente na vida”, conta Júlio.
Hoje, ele é educador da oficina de fotografia e vídeo. E, ao contrário do que ocorreria em uma escola formal, é justamente por seu histórico no crime que seus ensinamentos são valiosos. “Se você entra nessa, acaba refém – dos chefes, da droga e das próprias dívidas. É isso o que tento passar para os meninos que vejo que estão indo por outro caminho”, explica. “A Casa do Zezinho me ensinou a viver na periferia. Não é porque a gente mora na favela que não tem sonhos na vida. Aqui tem muita coisa boa e a casa me mostrou que é possível andar com a cabeça erguida. Hoje sou um guardião da instituição.”
Muller Silva Freitas, morador do Jardim Ângela e ex-zezinho, também viu o crime de perto na família. Fascinado por jornalismo e design, ele perdeu o lançamento de uma revista que produziu com outros jovens da casa por conta do assassinato do irmão. “Acho que ele morreu porque não conheceu a Casa do Zezinho. Se tivesse passado por aqui, ele estaria vivo até hoje”, diz. Agora, Muller está voltando para a CZ para trabalhar na área de comunicação e realizar seu sonho de fazer faculdade de tecnologia da informação.
Pedagogia do arco-íris
Atualmente, a CZ conta com 80 educadores, 60% dos quais são ex-zezinhos, como Júlio. “Nosso objetivo é que a casa seja cuidada por eles. Aqui o zezinho é o ator principal. Que eles sejam os educadores para sacudir essa comunidade e levar essa pedagogia para o seu mundo”, diz Ana Beatriz Nogueira, coordenadora dos educadores da CZ.
Essa transformação de zezinhos em educadores é o maior sintoma de que uma verdadeira revolução da educação está em curso na casa. E ela tem até nome: pedagogia do arco-íris. Apesar de contemplar todos os conteúdos de uma escola formal, a Casa do Zezinho os apresenta de forma completamente inovadora. A começar pela divisão dos períodos de aprendizagem. Em vez de separar as crianças e jovens por salas, lá o critério são as cores. Cada uma das sete tonalidades do arco-íris representa uma fase do desenvolvimento dos zezinhos.
“Tudo o que fazemos aqui começa na prática, porque acreditamos que o conhecimento é vivo. Se não for assim a gente cai na armadilha do ensino, que é diferente de educação. Educar é um ato de amor. Não adianta falar o ‘pedagogês’ se a gente não souber falar a língua dos meninos”, diz Saulo Garroux.
Tia Dag tem uma boa palavra para exprimir a filosofia da casa. “Aqui a gente brinca que faz um trabalho de ‘pedagodia’, porque, a cada dia, um evento é capaz de nos fazer repensar a pedagogia. Um caso nos estimula a pensar numa estratégia inédita para cuidar de um problema – mas tudo sempre baseado na pedagogia do afeto, amor e carinho.”
De fato, não se passam 24 horas na CZ sem que alguma notícia – em geral ruim e relacionada a violência – mobilize todos os educadores. A primeira frase de Dag ao começar a entrevista foi: “Esta foi uma semana de mortes”. No dia anterior, o pai de uma zezinha havia morrido de cirrose. Tia Dag se lembra de quando a filha mais velha do falecido, Belinha, chegou à CZ, aos 12 anos. “Ela veio para cá e logo se abriu para a casa. Tempos depois, perdeu a mãe. Ela pulou a etapa de brincar, de ser criança, pois teve de enterrar a mãe e cuidar da casa, porque o pai começou a beber e usar droga. Mas ela não se perdeu porque teve o apoio da Casa do Zezinho.”
Todo esse afeto e cuidado, verdadeiros pilares do tratamento dos educadores para com os zezinhos, fazem a CZ atingir um recorde: a evasão é menor que 1%. “E, assim mesmo, os zezinhos que vão embora geralmente são aqueles que vivem com famílias que migram, por terem perdido a casa na favela ou para ir atrás de uma oportunidade de vida melhor. Há também casos em que os jovens, ou seus familiares, sofrem ameaças devido a dívidas com os traficantes de drogas e acabam tendo de deixar o local”, explica Saulo.
Esse número acaba colocando em xeque todo o sistema educacional no Brasil, ainda que não seja esse o objetivo da CZ. Com a verba limitada de um projeto social, mas muita entrega por parte dos funcionários, a instituição mostra que é possível, sim, educar os jovens de forma bem-sucedida. “A gente não quer que o menino pule o muro da escola, que pode ser um lugar de incríveis descobertas”, declara Ana Beatriz, a Tia Bia. “O ideal mesmo é que a CZ não tivesse de existir, que houvesse uma proposta de educação mais sedutora e com sentido.”
Na opinião de Mayara Paula Encarnação dos Santos, de 16 anos, a casa tem de existir para sempre. “Cheguei aqui pequenina e vergonhosa. Minha primeira educadora foi Tia Bia. E ela era bem falante, cantava com a gente, conversava, perguntava sempre como a gente estava. Aí comecei a me abrir, a circular pela casa e conhecer outros amiguinhos. Passei a ser conhecida como a menina das trancinhas”, lembra.
Segundo ela, a Casa do Zezinho é um lugar muito especial, porque é uma verdadeira família, além de ser o local em que ela mais aprende coisas, inclusive sobre conteúdos ensinados na escola. Quando tem uma dúvida na aula de matemática, por exemplo, ela traz para tirar com os educadores da CZ.
“A maneira com que eles falam dos assuntos é diferente. Parece que a gente aprende brincando. Eles dão exemplos da nossa vida prática e também têm paciência para explicar várias vezes o que a gente não entende de primeira. Na escola é muito mais duro: se entendeu, bem, se não entendeu, amém”, diz ela.
Com os anos, a mãe de Mayara também foi passando a ter mais confiança na CZ do que na escola. Isso porque, quando ela ia às reuniões de pais, os educadores faziam perguntas muito pertinentes sobre a filha. “Aqui na casa eles sabem muito mais de mim do que na escola”, completa a adolescente.
Moradora do Capão Redondo, Mayara, mesmo com sua pouca idade, já testemunhou cenas que pessoas que vivem em áreas mais ricas da cidade provavelmente nunca verão. Todas as estatísticas e probabilidades estão contra ela e, ao que parece, não será a escola formal que reverterá esse quadro. Nesse contexto, já seria lucro haver projetos sociais que apenas mitigassem o abandono em que se encontra essa região de São Paulo. Em meio ao cinza chumbo da exclusão, porém, está a Casa do Zezinho, um arco-íris permanente contaminando de vida o triângulo da morte.
Fonte:http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=406&breadcrumb=1&Artigo_ID=6213&IDCategoria=7184&reftype=1
MAURICIO MONTEIRO FILHO • AMANDA RAHRA
No dia de seu quinquagésimo sétimo aniversário, Tia Dag ganhou, entre várias homenagens, uma versão especial da música Para não Dizer que não Falei das Flores, de Geraldo Vandré. A canção foi executada por uma orquestra formada exclusivamente por jovens moradores da pobre zona sul de São Paulo. Meninos e meninas que ela só chama de “zezinhos”, apesar de conhecer seus nomes, sobrenomes, medos e sonhos.
Quando o maestro anunciou a atração, lembrou o pronunciamento realizado por Geraldo Alckmin na véspera. Em entrevista naquele 15 de abril, o governador trouxe a público dados que revelam tempos de paz inéditos para o estado. “Pela primeira vez em toda a série histórica, São Paulo atende aos índices da Organização Mundial de Saúde, que estabelece que [o número de homicídios] fique abaixo de dez por 100 mil habitantes. São Paulo chegou a 9,52 no primeiro trimestre”, disse Alckmin. A taxa, inclusive, colocava o estado bem abaixo da média nacional, que é de 25,4 para cada 100 mil pessoas.
A apresentação do maestro, no entanto, fazia referência às letras miúdas da estatística. Mesmo num contexto de redução sistêmica da violência urbana, a zona sul da capital paulista continuava encabeçando o ranking de crimes violentos no estado. Mais especificamente, era num raio de poucos quilômetros a partir de onde Tia Dag observava a festa montada para ela que se concentrava o maior número de homicídios na cidade. Enquanto São Paulo toda tinha motivos para comemorar, Tia Dag iria dormir um ano mais velha na região que seguiria ostentando esse recorde ingrato.
A liderança não é novidade por aquelas bandas. Em 1996, o distrito do Jardim Ângela, próximo dali, chegou a ser considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) o local mais violento do planeta, batendo até a contagem de mortes do narcotráfico colombiano, no auge das ações do cartel de Cali. Sempre no topo dessa lista da vergonha, a área formada por Jardim Ângela, Jardim São Luís e Capão Redondo ganhou o nome de triângulo da morte, que mantém até hoje. Em 2011, os números propõem uma nova geometria para o mesmo estigma: a região compreendida pelos departamentos de polícia do Parque Santo Antônio, do Campo Limpo e do Capão Redondo é a mais sangrenta da capital. Lá, foram registrados 31 dos 220 assassinatos ocorridos no primeiro trimestre do ano.
O tom da fala do maestro, porém, orbitava num campo harmônico bem mais alegre que o das manchetes. Ao apresentar a primeira violinista da orquestra, ele fez questão de enfatizar onde a garota morava: no Parque Santo Antônio, um dos vértices do novo triângulo da morte. Para Tia Dag, as notícias sobre a onda de violência na zona sul paulistana são mais do mesmo. Transformador, porém, é ouvir as notas de puro talento que brotam do violino da garota, apesar de todos os pesares. Ou justamente por causa deles. Depois de mais de 20 anos atuando dia e noite para melhorar a vida dos jovens da região, ela sabe melhor que ninguém que é exatamente nas áreas de maior conflito que nascem as forças que o dirimirão.
E é na Casa do Zezinho (CZ), organização social voltada para a educação fundada por Tia Dag, que esses meninos e meninas encontrarão a fórmula perfeita de afeto e pedagogia para se tornar agentes dessa mudança.
Ponte Parque Santo Antônio-EUA.
Dias depois de seu aniversário, Tia Dag seguiu para uma viagem de duas semanas à cidade de San Francisco, no estado americano da Califórnia. O roteiro incluía visitas a diversas entidades sociais locais e palestras na Universidade de San Francisco sobre a metodologia revolucionária de educação aplicada na Casa do Zezinho. Pelo menos era o que estava previsto. Em vez de falar, ela queria mesmo era testar a reação dos universitários da costa oeste dos Estados Unidos diante da realidade da zona sul da capital paulista. E estava mais interessada em ouvir. Numa das palestras, começou mostrando um vídeo sobre a CZ e abriu para perguntas da plateia. Acabou extrapolando o tempo de uma hora de sua fala, magnetizando os jovens durante três.
Nem a tradutora ficou incólume. Como todos ali, ela se emocionou com os relatos de Tia Dag. Ao final da palestra, foi pedir desculpas à oradora, dizendo que havia sido pouco profissional. “Eu disse que ela estava sendo, na verdade, muito profissional, porque estava sendo verdadeira. Chorar é legal, porque traz à tona a humanidade da pessoa”, conta Dag.
E não foi só por fatos como esse que, durante a viagem, ela constatou que a CZ é mesmo única. “Não encontrei nada parecido com o que temos aqui, essa preocupação com ouvir o outro, com saber o que está acontecendo com a criança e com o jovem de maneira integral. Lá, tudo é muito quantitativo. São números e estatísticas sobre as pessoas beneficiadas. Na Casa do Zezinho, somos muito mais qualitativos, pois respeitamos e queremos saber a história, os saberes, desafios e sonhos de cada um – que tem um nome, uma identidade e uma trajetória diferente”, diz ela.
Como resultado da estada nos Estados Unidos, Dag criou pontes importantes. Dezesseis estudantes de sociologia e estudos latino-americanos da Universidade de San Francisco vão passar seis meses na Casa do Zezinho para mergulhar no universo do Parque Santo Antônio, inclusive morando no bairro, e na pedagogia desenvolvida pela instituição. Em contrapartida, oito zezinhos terão bolsa integral para fazer o curso que escolherem na universidade americana. “Já avisei alguns dos mais velhos por aqui: vocês têm um ano para aprender inglês. Se virem! Vão estudar, fazer curso online... Essa é uma grande chance”, declara Dag.
Com o incentivo, ela está dando aos zezinhos a chance de ampliar horizontes que ela mesma demorou para explorar. Essa foi sua primeira viagem aos EUA. “Eu tinha muito preconceito, porque pensava que todo americano era dominador, alienado, capitalista selvagem. Mas percebi que estava fazendo com eles a mesma coisa que eles fazem com a gente”, assume.
De Dagmar a Dag
A jornada que levou Tia Dag a quebrar os próprios preconceitos começou décadas antes, quando ela ainda era Dagmar Garroux. Mais de 30 anos atrás, a pedagoga começou a trabalhar com crianças que tinham problemas de aprendizagem devido a traumas graves. Eram refugiados de guerras e ditaduras, como a do Chile. Para romper o ciclo de sofrimento desses meninos e meninas, ela os confrontava com outra realidade traumática, igualmente sofrida na carne por outras crianças: a da exclusão social na periferia de São Paulo. E, magicamente, desse choque surgia a iluminação e se abria o caminho para o saber. Dagmar realizava esse trabalho na Favela do Fedô, próxima da Vila das Belezas, na zona sul da cidade, onde morava.
Aparentemente, porém, a bússola mental de Tia Dag aponta sempre e obstinadamente para o sul. No início da década de 1990, essa fixação a levou a comprar, junto com o marido, Saulo Garroux, uma casa próxima de onde hoje funciona a Casa do Zezinho. Na época, ali se formou o núcleo que viria a fazer da CZ uma referência capaz de cruzar fronteiras.
Então, em setembro de 1993, com apenas sete crianças, foram iniciadas as atividades da CZ. Naquela época, eram somente duas oficinas: cerâmica e reciclagem de papel. E os encontros só ocorriam duas tardes por semana.
Ana D’Água Sandoval foi uma das pioneiras que fundou a casa com Tia Dag.
Ela conta que, a cada dia, uma das voluntárias faltava em seu trabalho regular para cuidar das crianças. “A gente improvisava. Oferecíamos lanche, dávamos aula de artes com o que tínhamos disponível e fazíamos de tudo para conquistar os meninos, mesmo porque a rua é um lugar muito sedutor, que oferece uma aparente liberdade. Era aquela bagunça, mas era assim que a gente conseguia passar conceitos fundamentais sobre cidadania, trabalho em equipe e até conteúdos de português, matemática, química, física... Tudo misturado e real. A gente queria trazer essa sensação de liberdade para dentro da Casa do Zezinho.”
Se o começo foi tímido, os sonhos eram os mais grandiosos. A ponto de Dag ter se valido de uma licença poética para criar o nome de sua instituição. Com o célebre poema de Drummond “E agora, José?” em mente, a pedagoga pensou que, para aquelas crianças carentes, o verso necessário era: “É agora, José!” Daí veio o nome de zezinhos para os meninos e meninas que frequentam a casa.
E eles passaram a aparecer cada vez em maior número. No começo de 1994, já eram 20. No final de 1995, 75. No ano seguinte, foi necessário reformar a casa para dar conta de todos os zezinhos. O momento foi também um marco pedagógico, porque a partir de então começou a se esboçar a atual estrutura de funcionamento, com atividades em período integral e a divisão das crianças em 3 grupos, a partir do critério de nível de aprendizagem, maturidade e desenvolvimento biopsicopedagógico.
Hoje, a nova sede, cujo terreno foi comprado por um grupo de empresários e doado à entidade, já está ficando pequena para os cerca de 1,5 mil zezinhos de 6 a 21 anos que frequentam a CZ em busca de atividades esportivas, artísticas, de complemento à educação formal e capacitação profissional.
Cacos de vida
A oficina de mosaico fica numa sala ampla e ensolarada, onde garotos e garotas se debruçam lado a lado sobre mesas, fazendo arte a partir de cacos de azulejos e pastilhas. Carlos Eduardo Ferreira da Silva, um dos mais velhos, já ganhou um ar zen depois de anos dedicados ao ofício solitário e meticuloso. “É a melhor maneira de colocar a cabeça em ordem. É uma terapia”, justifica ele.
Seu sonho era ser jogador de futebol. Passou boa parte da infância e da adolescência numa via-crúcis de peneiras, passando por baixo das catracas dos ônibus, mirando a posição de meia ou atacante. “Mas eu só levava ‘não’. Recebia muitos elogios, mas os agentes queriam grana para me selecionar”, conta ele.
No auge dessa busca, aos 12 anos, começou a frequentar a Casa do Zezinho. Ia um pouco a contragosto, ainda com os campos de futebol na cabeça. Talvez, porém, porque Carlos precisasse de uma base sólida que o esporte nunca lhe daria, a arte começou a ganhar da bola.
Como a esmagadora maioria dos zezinhos, ele vinha de um lar desestruturado. Seu pai era alcoólatra. “Ele era refém do vício”, lembra Carlos, com uma tranquilidade incompatível com seus 21 anos. Era o menino quem levava o pai ao pronto-socorro quando a mãe não podia. Tanta tristeza o fez mudar de sonho. “Queria ser maior que o sofrimento dele”, declara Carlos. Numa lógica dolorosamente cristã, quanto mais sentia na pele a violência do pai, mais queria fazê-lo feliz.
Ele, no entanto, sabia que a vida não seria tão condescendente com o alcoolismo. E não foi: o pai morreu precocemente. Toda essa espiral de sofrimento fez Carlos mergulhar ainda mais no mosaico. Era nos quadros que encontrava a palavra que ele mais repete: paciência. “A pressa só dá a batida errada”, define ele.
Por pura urgência, lembrando as duas carteiras de trabalho que o pai encheu, Carlos começou sua vida profissional. Não conseguiu, porém, se encontrar em nenhum dos empregos. “Trabalhei num colégio britânico, de terno. Mas só ficava pensando nos zezinhos”, conta.
Por isso, retornou. Afinal, era só na CZ que ele atingia sua plenitude de monge. E, por conta dela, acabou virando uma referência para os menores. “Voltei para dar aos outros zezinhos aquilo que não tive com meu pai”, diz.
Mais que uma reinvenção da figura paternal, o mosaico é, para Carlos, uma forma de ver a favela sob novos ângulos. E ressignificar sua realidade. “Coloco a minha verdade no quadro, não as mentiras, os blocos marrons com furos de bala. Por que o rio não pode ser colorido?”, questiona.
Não por acaso, o tema preferido nos mosaicos que faz é a favela. A própria Tia Dag encomendou um, o maior que ele já criou e que levou sete semanas para ficar pronto. Sobre um fundo azul, estão os barracos coloridos, pessoas no orelhão e meninos empinando pipa. Tudo isso circundando o campo de futebol da comunidade. Diante de um desses trabalhos, um zezinho lhe perguntou: “Tio, por que a favela não é assim”? Para Carlos, ela é exatamente assim.
Os educadores da casa frequentemente comentam que a oficina de mosaico é a mais procurada pelos jovens. Segundo eles, há uma explicação. Os cacos seriam metáforas perfeitas para a fragmentação da vida desses jovens. Reorganizando os pedacinhos em figuras harmônicas e alegres, eles estariam amenizando o peso que a violência, o tráfico, a exclusão e os frágeis laços familiares têm em sua vida.
De volta para casa
Júlio de Sena, um dos primeiros zezinhos, já foi um desses jovens que teve a vida em cacos. Chegou à casa em 1994, quando ela era um sobrado e a rua ainda era de terra.
Ele tomava conta de carros e estava sempre no campinho do Parque Santo Antônio. Foi quando ouviu dizer que uma mulher lá de cima dava comida de graça e poderia ajudar. “Lembro até hoje da primeira vez que vi Tia Dag. Eu tinha uns 11 anos e a achei uma mulher muito bonita. Ela logo começou a falar que queria fazer um trabalho com a gente. Ofereceu um lanche e disse que poderíamos aparecer lá de segunda a sexta. Ela fazia uns vasos de argila e a Ana D’Água nos ensinava a reciclar papel numa banheira velha. Mas a gente gostava mesmo era do lanche”, diverte-se.
Segundo Júlio, a CZ era uma ilha de segurança. Ele, porém, tinha de voltar para casa. E em sua rua havia uma “biqueira” – ponto de venda de drogas. “Eu sempre percebia que os traficantes tinham tudo muito fácil e a gente chegava em casa e não tinha nada”, recorda.
Então, quando a mãe – “uma baiana brava, que tinha regras e ensinou a gente a ter respeito e educação” – morreu, em 2000, os filhos ficaram desamparados. O irmão de Júlio, na época com 16 anos, começou a roubar. “Eu o seguia para ver o que ele ia fazer. Acabei me envolvendo e tinha de andar armado para não morrer na guerra do tráfico”, conta.
“Eu me afastei da Casa do Zezinho, mas tem uma cena que não esqueço: um dia, estava chegando na CZ quando parou uma viatura de polícia perguntando por mim. E Tia Dag e Corina [uma das fundadoras da instituição] me defenderam. Eles estavam me acusando de homicídio, mas eu nunca matei ninguém. Então, elas conversaram com os policiais e disseram que eu não seria capaz de uma coisa dessas. Aquilo me tocou muito, porque elas me defenderam como se eu fosse filho de verdade”, relembra Júlio.
A vida errada o levou a perder muitos amigos e o forçou a estar fugindo o tempo todo. Vendo que, dessa maneira, havia ficado privado de liberdade, decidiu abandonar o crime. “Fui falar com o chefe, na casa dele. Eu tinha medo, mas o que me deu coragem foi lembrar que havia outro caminho, que a Casa do Zezinho tinha me mostrado que a gente podia ser algo diferente na vida”, conta Júlio.
Hoje, ele é educador da oficina de fotografia e vídeo. E, ao contrário do que ocorreria em uma escola formal, é justamente por seu histórico no crime que seus ensinamentos são valiosos. “Se você entra nessa, acaba refém – dos chefes, da droga e das próprias dívidas. É isso o que tento passar para os meninos que vejo que estão indo por outro caminho”, explica. “A Casa do Zezinho me ensinou a viver na periferia. Não é porque a gente mora na favela que não tem sonhos na vida. Aqui tem muita coisa boa e a casa me mostrou que é possível andar com a cabeça erguida. Hoje sou um guardião da instituição.”
Muller Silva Freitas, morador do Jardim Ângela e ex-zezinho, também viu o crime de perto na família. Fascinado por jornalismo e design, ele perdeu o lançamento de uma revista que produziu com outros jovens da casa por conta do assassinato do irmão. “Acho que ele morreu porque não conheceu a Casa do Zezinho. Se tivesse passado por aqui, ele estaria vivo até hoje”, diz. Agora, Muller está voltando para a CZ para trabalhar na área de comunicação e realizar seu sonho de fazer faculdade de tecnologia da informação.
Pedagogia do arco-íris
Atualmente, a CZ conta com 80 educadores, 60% dos quais são ex-zezinhos, como Júlio. “Nosso objetivo é que a casa seja cuidada por eles. Aqui o zezinho é o ator principal. Que eles sejam os educadores para sacudir essa comunidade e levar essa pedagogia para o seu mundo”, diz Ana Beatriz Nogueira, coordenadora dos educadores da CZ.
Essa transformação de zezinhos em educadores é o maior sintoma de que uma verdadeira revolução da educação está em curso na casa. E ela tem até nome: pedagogia do arco-íris. Apesar de contemplar todos os conteúdos de uma escola formal, a Casa do Zezinho os apresenta de forma completamente inovadora. A começar pela divisão dos períodos de aprendizagem. Em vez de separar as crianças e jovens por salas, lá o critério são as cores. Cada uma das sete tonalidades do arco-íris representa uma fase do desenvolvimento dos zezinhos.
“Tudo o que fazemos aqui começa na prática, porque acreditamos que o conhecimento é vivo. Se não for assim a gente cai na armadilha do ensino, que é diferente de educação. Educar é um ato de amor. Não adianta falar o ‘pedagogês’ se a gente não souber falar a língua dos meninos”, diz Saulo Garroux.
Tia Dag tem uma boa palavra para exprimir a filosofia da casa. “Aqui a gente brinca que faz um trabalho de ‘pedagodia’, porque, a cada dia, um evento é capaz de nos fazer repensar a pedagogia. Um caso nos estimula a pensar numa estratégia inédita para cuidar de um problema – mas tudo sempre baseado na pedagogia do afeto, amor e carinho.”
De fato, não se passam 24 horas na CZ sem que alguma notícia – em geral ruim e relacionada a violência – mobilize todos os educadores. A primeira frase de Dag ao começar a entrevista foi: “Esta foi uma semana de mortes”. No dia anterior, o pai de uma zezinha havia morrido de cirrose. Tia Dag se lembra de quando a filha mais velha do falecido, Belinha, chegou à CZ, aos 12 anos. “Ela veio para cá e logo se abriu para a casa. Tempos depois, perdeu a mãe. Ela pulou a etapa de brincar, de ser criança, pois teve de enterrar a mãe e cuidar da casa, porque o pai começou a beber e usar droga. Mas ela não se perdeu porque teve o apoio da Casa do Zezinho.”
Todo esse afeto e cuidado, verdadeiros pilares do tratamento dos educadores para com os zezinhos, fazem a CZ atingir um recorde: a evasão é menor que 1%. “E, assim mesmo, os zezinhos que vão embora geralmente são aqueles que vivem com famílias que migram, por terem perdido a casa na favela ou para ir atrás de uma oportunidade de vida melhor. Há também casos em que os jovens, ou seus familiares, sofrem ameaças devido a dívidas com os traficantes de drogas e acabam tendo de deixar o local”, explica Saulo.
Esse número acaba colocando em xeque todo o sistema educacional no Brasil, ainda que não seja esse o objetivo da CZ. Com a verba limitada de um projeto social, mas muita entrega por parte dos funcionários, a instituição mostra que é possível, sim, educar os jovens de forma bem-sucedida. “A gente não quer que o menino pule o muro da escola, que pode ser um lugar de incríveis descobertas”, declara Ana Beatriz, a Tia Bia. “O ideal mesmo é que a CZ não tivesse de existir, que houvesse uma proposta de educação mais sedutora e com sentido.”
Na opinião de Mayara Paula Encarnação dos Santos, de 16 anos, a casa tem de existir para sempre. “Cheguei aqui pequenina e vergonhosa. Minha primeira educadora foi Tia Bia. E ela era bem falante, cantava com a gente, conversava, perguntava sempre como a gente estava. Aí comecei a me abrir, a circular pela casa e conhecer outros amiguinhos. Passei a ser conhecida como a menina das trancinhas”, lembra.
Segundo ela, a Casa do Zezinho é um lugar muito especial, porque é uma verdadeira família, além de ser o local em que ela mais aprende coisas, inclusive sobre conteúdos ensinados na escola. Quando tem uma dúvida na aula de matemática, por exemplo, ela traz para tirar com os educadores da CZ.
“A maneira com que eles falam dos assuntos é diferente. Parece que a gente aprende brincando. Eles dão exemplos da nossa vida prática e também têm paciência para explicar várias vezes o que a gente não entende de primeira. Na escola é muito mais duro: se entendeu, bem, se não entendeu, amém”, diz ela.
Com os anos, a mãe de Mayara também foi passando a ter mais confiança na CZ do que na escola. Isso porque, quando ela ia às reuniões de pais, os educadores faziam perguntas muito pertinentes sobre a filha. “Aqui na casa eles sabem muito mais de mim do que na escola”, completa a adolescente.
Moradora do Capão Redondo, Mayara, mesmo com sua pouca idade, já testemunhou cenas que pessoas que vivem em áreas mais ricas da cidade provavelmente nunca verão. Todas as estatísticas e probabilidades estão contra ela e, ao que parece, não será a escola formal que reverterá esse quadro. Nesse contexto, já seria lucro haver projetos sociais que apenas mitigassem o abandono em que se encontra essa região de São Paulo. Em meio ao cinza chumbo da exclusão, porém, está a Casa do Zezinho, um arco-íris permanente contaminando de vida o triângulo da morte.
Fonte:http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=406&breadcrumb=1&Artigo_ID=6213&IDCategoria=7184&reftype=1
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Para pensar...
"É importante promovermos processos educacionais nos quais identifiquemos e descontruamos nossas suposições em geral implícitas, que nos permitam uma apromixamação aberta e empática à realidade dos outros". C.A. Taylor
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