“Na vida só há um modo de ser feliz. Viver para os outros.”

Léon Tolstoi

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

CONTEXTO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL



                                                                                                                         Por Ana Paula Cairos


As reflexões sobre educação inclusiva tem sido tema constante de discussão, consideramos que retomar o trajeto histórico da Educação Especial é de fundamental importância para que possamos contextualizar as práticas desenvolvidas atualmente.
De acordo com SASSAKI (1997), o percurso histórico da educação especial delibera quatro fases: a fase da exclusão, da segregação, da integração e da inclusão.
Para RAGONESI (1997) o Brasil tem sido considerado o pior do mundo em questão de Educação. Segundo o autor nunca existiu uma política educacional comprometida com a democratização educacional.

A Primeira Constituição Brasileira promulgada em 1823, que estabeleceu a instrução primária como obrigatória, gratuita e extensiva a todos os cidadãos tem mostrado um quadro bastante diferente do proposto.
A política educacional sempre esteve relegada à segundo plano. O descompromisso histórico do Estado não passa de fruto de um processo político, no qual ele se evidencia a favor dos interesses das classes dominantes.
 MENDES (1991) e BUENO (1993) ratificam como marco no Brasil, a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos e do Instituto dos Surdos-mudos, na cidade do Rio de Janeiro, que devido a  conflitos, de ordem social, econômica e política, entraram em processo de deteriorização. Estes institutos foram espelhados nos institutos franceses, no entanto uma característica os diferenciava: tinham caráter assistencialista, ou seja, política de “favor”. De acordo com BUENO (1993), enquanto os institutos brasileiros de educação especial exerciam seu papel de auxílio aos desvalidos, os parisienses adotavam o sistema de oficinas de trabalho.
MENDES (2006) afirma que desde o século XVI a história  da educação no Brasil vem sendo desenhada. Educadores e médicos daquele período histórico já abancavam a ideia de considerar as pessoas deficientes ineducáveis. Contudo, naquele momento, o cuidado era puramente assistencialista e institucionalizado, por meio de manicômios e abrigos.
No período Imperial os doentes mentais eram tratados apenas em hospitais psiquiátricos. Os surdos e cegos eram isolados e retirados do convívio social, sendo tal isolamento completamente desnecessário. Também neste período, foram iniciados tratamentos no Hospital Psiquiátrico da Bahia, em 1874.
Dessa maneira, os esforços tinham como objetivo a cura ou a correção dos “defeitos” apresentados pelos sujeitos. A intenção era buscar aproximá-los da “normalidade” através do tratamento médico, para que pudessem ter uma vida “normal” em sociedade.
Em 1889, a educação especial ainda não era totalmente assumida pelo Estado. Em São Paulo e no Rio de Janeiro começaram a funcionar algumas salas de aula para alunos deficientes, vinculadas a escolas públicas, mas o acesso a elas apenas ocorreria na segunda metade do século.
 Em 1891, instaura-se o federalismo e, com isso, as responsabilidades pela política educacional aumentam; na área médica, o interesse pela educação dos deficientes começa com os serviços de higiene mental e saúde pública, que deu origem à inspeção médica escolar.
A partir do século XX, os deficientes passam a ser considerados cidadãos, com direitos e deveres de participação na sociedade.
Embora, de forma ainda muito lenta, após a Proclamação da República, a educação especial foi se expandindo; em 1903 o Pavilhão Bournevile , no Hospital D. Pedro II (Bahia) foi instalado para tratamento de doentes mentais, em 1911 é criada em São Paulo a inspeção médica - responsável pela criação de classes especiais e formação de pessoal para trabalhar com esta clientela.
Neste período, segundo MENDES (2001), prevaleceu o descaso em relação à educação especial, visto na criação de instituições para atendimento de casos mais graves, enquanto os mais leves eram ainda indiferenciados, em 1923 foi criado o Pavilhão de Menores do Hospital do Juqueri e o Instituto Petalozzi de Canoas, em 1927.
Com relação aos deficientes visuais, surgiram: a União dos Cegos do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1924, o Instituto Padre Chico, em São Paulo e o Sodalício da Sacra Família, no Rio de Janeiro, em 1929. Além do surgimento dessas entidades privadas começaram às preocupações, por parte da República Escolar, com os deficientes mentais. As  primeiras entidades privadas contribuíram para a inclusão da educação especial no âmbito das instituições filantrópico-assistenciais e a sua privatização, salienta BUENO (1993).
Com a revolução de 1930, novas mudanças sociais, históricas, políticas, econômicas e culturais ocorreram no país. A questão educacional, passa a ser uma “preocupação” da própria sociedade. Nos anos seguintes, o número de entidades para atendimento de deficientes aumentou de forma significativa, no entanto não eram entidades públicas. 
 O fato de que o Estado não se responsabilizava de maneira satisfatória, institutos de assistência passaram a assumir a educação especial e assim a Sociedade Pestalozzi  do Brasil com sede em Belo Horizonte é criada em 1932, além da fundação Dona Paulina de Souza Queiroz, em São Paulo (1936). Em 1941, no Recife, surgiu a Escola Especial Ulisses Pernambucano e a Escola Alfredo Freire (BUENO, 1993).
A respeito da Sociedade Pestalozzi, GUARINO (2005, p.6) relata:
“O movimento Pestalozziano (...) está fazendo 80 anos e em franco processo de evolução,  fazendo um trabalho exemplar, na inclusão do portador de deficiência  na sociedade e mais que isso, dando educação de qualidade àqueles que nos procuram. Hoje mais de 220 mil crianças estão nas salas de aula, sendo que 80% desse total em instituições como APAE e Pestalozzi”.
 O interesse pelo deficiente mental, refletia também em uma preocupação com a higiene. Para BUENO (1993), essa preocupação é interpretada como o início de um processo de segregação pelos especialistas do aluno diferente.
Foram criados, também, com relação aos deficientes visuais, os Institutos de Cegos do Recife, da Bahia, de São Rafael (Taubaté – SP), de Santa Luzia (Porto Alegre – RS), do Ceará (Fortaleza), da Paraíba (João Pessoa) e do Paraná (Curitiba). Em 1938 foi criada, no estado de São Paulo, a Seção de Higiene Mental, do Serviço de Saúde Escolar, da Secretaria da Educação do Estado. No Rio de Janeiro, trabalho semelhante foi realizado (BUENO, 1993).
Com o fim da ditadura Vargas, em 1945, o Brasil vivenciava a redemocratização política,  a Organização das Nações Unidas (ONU) defendia a promoção da paz e da democracia. Dessa maneira, a educação de adultos  passa a ter destaque. Dentre os educadores mobilizados com a ação encontramos Paulo Freire, Lourenço Filho, entre outros. 
Entre 1948 e 1961 medidas como criação dos conselhos estaduais de educação e a cooperação financeira assegurada por lei às escolas privadas influenciaram a educação especial. Segundo MENDES (2001) no período de 1950 a 1959, houve uma grande expansão no número de estabelecimentos de ensino especial para portadores de deficiência mental; 190 estabelecimentos de ensino especial, no final da década de 50, eram públicos e em escolas regulares.
Em 1954, foi fundada a APAE Rio, sendo a primeira APAE do Brasil. Com o passar dos anos as APAEs se expandiram por todo o país e pelo mundo, sendo considerado o maior movimento filantrópico na área de deficiência mental.
 A partir de 1958 o Ministério da educação começa a prestar assistência técnica-financeira às secretarias de educação e instituições especializadas.
Nota-se, neste período, o aumento de escolarização para as classes mais populares e a implantação de classes especiais para os casos leves de deficiência mental.
 O golpe militar de 1964 causou uma mudança abrupta nos projetos políticos em todas as áreas, inclusive na educação. Muitos educadores passaram a ser perseguidos em função de posicionamentos ideológicos.
Para FERREIRA e GLAT (apud SOUZA, 2003) somente a partir da segunda metade da década de 60 nasceu a ideia da educação especial escolar se integrar aos sistemas de ensino, expandindo o acesso ao ensino primário. No entanto ainda de maneira segregacionista.
“Antes da proposta de inclusão, o que se tinha era a aplicação do conceito da integração, mas de modo segregativo. A proposta era que a pessoa deficiente, ou aquela que destoava do grupo por qualquer motivo, fosse aceita na sociedade, desde que se adaptasse às condições estipuladas, como classes especiais, cursos de adaptação,  trabalho em setores ou horários diferenciados, entre outros. Desse modo a integração oferecia uma falsa idéia de igualdade, segregando ainda mais e causando muitos traumas”. (SASSAKI, 2005)
Em 1973 é criado o Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, junto ao Ministério da Educação. No final da década de 70 são implantados os primeiro cursos de formação de professores na área da Educação Especial e em 1978 pela primeira vez uma emenda à Constituição Brasileira assegura aos deficientes a melhoria de sua condição social e trata do direito à educação especial e gratuita.
Se, na atualidade, há um discurso em busca pela inclusão, é possível dizer que nas décadas de 80 e 90 esta noção já começa a se esboçar na medida em que a sociedade passa a lutar mais por seus direitos.
O conceito de inclusão e sua aplicação como meio de oferecer oportunidades iguais a todos e o reconhecimento da diversidade entre as pessoas ganham destaque em 1981, com a ONG DPI (Disabled Peoples International), que assinala a necessidade de a sociedade (incluindo a escola) equiparar as oportunidades para todos, viabilizando os meios, como remoção de barreiras (físicas, intelectuais, emocionais, relacionais, entre outros) que impeçam qualquer um de participar em todas as áreas (SASSAKI, 2005).
Órgãos governamentais e não governamentais perceberam a necessidade de repensar a integração de pessoas que estavam à margem da sociedade.  Esses Esses estudos e discussões, resultaram  na substituição, ainda que lentamente, da integração pela inclusão.
Em 1985 é criado pelo governo federal um comitê para planejar, fiscalizar e traçar políticas de ações conjuntas na questão dos portadores de deficiência. Em 1986 é criada a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.
Em 1988 é promulgada a Nova Constituição, garantindo atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino elegendo como um de seus princípios a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola” (art.206, inciso I) garantindo a todos o direito à educação e ao acesso à escola, sendo que não se poderia excluir nenhuma pessoa em razão de sua origem, raça, sexo, cor, idade, deficiência ou ausência dela.
A Lei Federal de número 7853 de 1989  estabelece a oferta obrigatória e gratuita da  educação especial em escolas públicas e prevê crime punível com reclusão e multa para os dirigentes de ensino público ou privado que se recusarem ou suspenderem sem justa causa a matrícula de um aluno portador de necessidades especiais. 
Em 1990 a Secretaria Nacional de Educação Básica assume a responsabilidade na  implementação da política de educação especial e o Brasil aprova o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que reitera os direitos garantidos na Constituição de 1988.
 Em 1994, promovida pelo governo da Espanha e pela UNESCO, foi realizada a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais culminando na Declaração de Salamanca, sobre princípios, política e práticas em Educação Especial. Este tem sido até hoje o documento-guia:
“Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos” (UNESCO, 1994, p.1).
Em 1996 a Lei de Diretrizes e Bases propõe o atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino (Art.4º, III). O Plano Nacional de Educação (2001)   [...] estabelece o direito das pessoas com necessidades especiais receberem educação preferencialmente na rede  regular de ensino (Seção 1, III, 8.1) e afirma como diretriz atual a plena integração dessas pessoas em todas as áreas da sociedade (p.13)
Garantia de ensino fundamental obrigatório de oito anos a todas as crianças de 7 a 14 anos, assegurando o seu ingresso e permanência na escola e a conclusão desse ensino [...];
Garantia de ensino fundamental a todos os que não tiveram acesso na idade própria ou não o concluíram [...];
Ampliação do atendimento nos demais níveis de ensino – educação infantil, ensino médio e educação superior [...] (p.8).
Atualmente educadores compreendem a importância da inclusão, mas ainda faz-se necessário transformações mais abrangentes. Além da equiparação de oportunidades, é indispensável que haja respeito, aceitação do outro como ele é, acolhimento, empatia e o estímulo ao sentimento de pertencimento à comunidade acadêmica.
MC LAREN (1997) considera que  “mesmo que seja provavelmente verdade que as escolas não podem refazer a sociedade, elas devem encontrar maneiras melhores de tornarem-se locais vitais para todos os estudantes, locais onde eles possam aprender a usar os instrumentos para ganharem um senso de controle sobre seus destinos, em vez de sentirem-se presos pelo seu status social” (p, 183).
Ressaltamos que na trajetória histórica das políticas educacionais de inclusão no Brasil os vários procedimentos foram construídos pelas intencionalidades e interesses do Estado, apresentando-se de forma diferenciada nos vários momentos de nossa história. Compreendê-los significa abranger as contradições que se apresenta na história brasileira constituída de diversidades muitas vezes negada em função de políticas de Estado.
O desinteresse e o descaso político prevaleceu durante quase toda a história, deixando a responsabilidade da educação de deficientes para as instituições de caráter assistencialista baseada em políticas de “favor”, na qual o descaso do Estado  pode ser observado até os dias de hoje. Embora, alguns  autores considerem que, mesmo lentamente, foram muitos os avanços ocorridos nesta área, consideramos que a problemática de exclusão/inclusão educacional permanece até os dias de hoje.
Há de se observar que a legislação existe de modo a favorecer os portadores de deficiências, no entanto sua aplicabilidade ainda não é efetivada.
          
REFERÊNCIAS:
FERREIRA, J. R. e GLAT, R. Reformas educacionais pós LDB: a inclusão do aluno com necessidades especiais no contexto da municipalizaçãoIn: SOUZA, D. B. & FARIA, L. C. M. Descentralização, municipalização e financiamento da educação no Brasil pós LDB. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2003.
McLAREN, Peter. Multiculturalismo. São Paulo: Cortez, 1997.
ONU/UNESCO (1994). Declaração de Salamanca sobre princípios, política e prática em educação especial.
RAGONESI, M. E. M. M. Psicologia escolar: pensamento crítico e práticas profissionais. Tese (Doutorado em educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.
SASSAKI, Romeu K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro, WVA, 1997.

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