Por Ana Paula Cairos
As
reflexões sobre educação inclusiva tem sido tema constante de discussão,
consideramos que retomar o trajeto histórico da Educação Especial é de
fundamental importância para que possamos contextualizar as práticas
desenvolvidas atualmente.
De
acordo com SASSAKI (1997), o percurso histórico da educação especial delibera
quatro fases: a fase da exclusão, da segregação, da integração e da inclusão.
Para
RAGONESI (1997) o Brasil tem sido considerado o pior do mundo em questão de
Educação. Segundo o autor nunca existiu uma política educacional comprometida
com a democratização educacional.
A
Primeira Constituição Brasileira promulgada em 1823, que estabeleceu a
instrução primária como obrigatória, gratuita e extensiva a todos os cidadãos
tem mostrado um quadro bastante diferente do proposto.
A
política educacional sempre esteve relegada à segundo plano. O descompromisso
histórico do Estado não passa de fruto de um processo político, no qual ele se
evidencia a favor dos interesses das classes dominantes.
MENDES (1991) e BUENO (1993) ratificam como
marco no Brasil, a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos e do
Instituto dos Surdos-mudos, na cidade do Rio de Janeiro, que devido a conflitos, de ordem social, econômica e
política, entraram em processo de deteriorização. Estes institutos foram
espelhados nos institutos franceses, no entanto uma característica os
diferenciava: tinham caráter assistencialista, ou seja, política de “favor”. De
acordo com BUENO (1993), enquanto os institutos brasileiros de educação
especial exerciam seu papel de auxílio aos desvalidos, os parisienses adotavam
o sistema de oficinas de trabalho.
MENDES (2006) afirma que desde o século XVI a história da
educação no Brasil vem sendo desenhada. Educadores e médicos daquele período
histórico já abancavam a ideia de considerar as pessoas deficientes
ineducáveis. Contudo, naquele momento, o cuidado era puramente assistencialista
e institucionalizado, por meio de manicômios e abrigos.
No
período Imperial os doentes mentais eram tratados apenas em hospitais psiquiátricos.
Os surdos e cegos eram isolados e retirados do convívio social, sendo tal
isolamento completamente desnecessário. Também neste período, foram iniciados
tratamentos no Hospital Psiquiátrico da Bahia, em 1874.
Dessa
maneira, os esforços tinham como objetivo a cura ou a correção dos “defeitos”
apresentados pelos sujeitos. A intenção era buscar aproximá-los da
“normalidade” através do tratamento médico, para que pudessem ter uma vida
“normal” em sociedade.
Em 1889, a educação especial
ainda não era totalmente assumida pelo Estado. Em São Paulo e no Rio de
Janeiro começaram a funcionar algumas salas de aula para alunos deficientes,
vinculadas a escolas públicas, mas o acesso a elas apenas ocorreria na segunda
metade do século.
Em 1891, instaura-se o federalismo e, com
isso, as responsabilidades pela política educacional aumentam; na área médica,
o interesse pela educação dos deficientes começa com os serviços de higiene
mental e saúde pública, que deu origem à inspeção médica escolar.
A
partir do século XX, os deficientes passam a ser considerados cidadãos, com
direitos e deveres de participação na sociedade.
Embora, de forma ainda muito lenta, após a Proclamação
da República, a educação especial foi se expandindo; em 1903 o Pavilhão
Bournevile , no
Hospital D. Pedro II (Bahia) foi instalado para tratamento de doentes mentais,
em 1911 é criada em São
Paulo a inspeção médica - responsável pela criação de classes
especiais e formação de pessoal para trabalhar com esta clientela.
Neste
período, segundo MENDES (2001), prevaleceu o descaso em relação à educação
especial, visto na criação de instituições para atendimento de casos mais
graves, enquanto os mais leves eram ainda indiferenciados, em 1923 foi criado o
Pavilhão de Menores do Hospital do Juqueri e o Instituto Petalozzi de Canoas,
em 1927.
Com relação aos deficientes visuais, surgiram: a União
dos Cegos do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1924, o Instituto Padre Chico,
Com
a revolução de 1930, novas mudanças sociais, históricas, políticas, econômicas
e culturais ocorreram no país. A questão educacional, passa a ser uma
“preocupação” da própria sociedade. Nos anos seguintes, o número de entidades
para atendimento de deficientes aumentou de forma significativa, no entanto não
eram entidades públicas.
A
respeito da Sociedade Pestalozzi, GUARINO (2005, p.6) relata:
“O
movimento Pestalozziano (...) está fazendo 80 anos e em franco processo de
evolução, fazendo um trabalho exemplar,
na inclusão do portador de deficiência
na sociedade e mais que isso, dando educação de qualidade àqueles que
nos procuram. Hoje mais de 220 mil crianças estão nas salas de aula, sendo que
80% desse total em instituições como APAE e Pestalozzi”.
Foram
criados, também, com relação aos deficientes visuais, os Institutos de Cegos do
Recife, da Bahia, de São Rafael (Taubaté – SP), de Santa Luzia (Porto Alegre –
RS), do Ceará (Fortaleza), da Paraíba (João Pessoa) e do Paraná (Curitiba). Em
1938 foi criada, no estado de São Paulo, a Seção de Higiene Mental, do Serviço
de Saúde Escolar, da Secretaria da Educação do Estado. No Rio de Janeiro,
trabalho semelhante foi realizado (BUENO, 1993).
Com
o fim da ditadura Vargas, em 1945, o Brasil vivenciava a redemocratização
política, a Organização das Nações
Unidas (ONU) defendia a promoção da paz e da democracia. Dessa maneira, a
educação de adultos passa a ter
destaque. Dentre os educadores mobilizados com a ação encontramos Paulo Freire,
Lourenço Filho, entre outros.
Entre 1948 e 1961 medidas como criação dos conselhos
estaduais de educação e a cooperação financeira assegurada por lei às escolas
privadas influenciaram a educação especial.
Segundo MENDES (2001) no período de
Em
1954, foi fundada a APAE Rio, sendo a primeira APAE do Brasil. Com o passar dos
anos as APAEs se expandiram por todo o país e pelo mundo, sendo considerado o maior
movimento filantrópico na área de deficiência mental.
A partir de 1958 o Ministério da educação
começa a prestar assistência técnica-financeira às secretarias de educação e
instituições especializadas.
Nota-se,
neste período, o aumento de escolarização para as classes mais populares e a
implantação de classes especiais para os casos leves de deficiência mental.
O
golpe militar de 1964 causou uma mudança abrupta nos projetos políticos em
todas as áreas, inclusive na educação. Muitos educadores passaram a ser
perseguidos em função de posicionamentos ideológicos.
Para
FERREIRA e GLAT (apud SOUZA, 2003) somente a partir da segunda metade da década
de 60 nasceu a ideia da educação especial escolar se integrar aos sistemas de
ensino, expandindo o acesso ao ensino primário. No entanto ainda de maneira
segregacionista.
“Antes
da proposta de inclusão, o que se tinha era a aplicação do conceito da
integração, mas de modo segregativo. A proposta era que a pessoa deficiente, ou
aquela que destoava do grupo por qualquer motivo, fosse aceita na sociedade,
desde que se adaptasse às condições estipuladas, como classes especiais, cursos
de adaptação, trabalho em setores ou
horários diferenciados, entre outros. Desse modo a integração oferecia uma
falsa idéia de igualdade, segregando ainda mais e causando muitos traumas”.
(SASSAKI, 2005)
Em
1973 é criado o Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, junto ao
Ministério da Educação. No final da década de 70 são implantados os primeiro
cursos de formação de professores na área da Educação Especial e em 1978 pela
primeira vez uma emenda à Constituição Brasileira assegura aos deficientes a
melhoria de sua condição social e trata do direito à educação especial e
gratuita.
Se,
na atualidade, há um discurso em busca pela inclusão, é possível dizer que nas
décadas de 80 e 90 esta noção já começa a se esboçar na medida em que a
sociedade passa a lutar mais por seus direitos.
O
conceito de inclusão e sua aplicação como meio de oferecer oportunidades iguais
a todos e o reconhecimento da diversidade entre as pessoas ganham destaque em
1981, com a ONG DPI (Disabled Peoples International), que assinala a
necessidade de a sociedade (incluindo a escola) equiparar as oportunidades para
todos, viabilizando os meios, como remoção de barreiras (físicas, intelectuais,
emocionais, relacionais, entre outros) que impeçam qualquer um de participar em
todas as áreas (SASSAKI, 2005).
Órgãos governamentais e não governamentais perceberam
a necessidade de repensar a integração de pessoas que estavam à margem da
sociedade. Esses Esses
estudos e discussões, resultaram na
substituição, ainda que lentamente, da integração pela inclusão.
Em
1985 é criado pelo governo federal um comitê para planejar, fiscalizar e traçar
políticas de ações conjuntas na questão dos portadores de deficiência. Em 1986
é criada a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência.
Em
1988 é promulgada a Nova Constituição, garantindo atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular
de ensino elegendo como um de seus princípios a “igualdade de condições de
acesso e permanência na escola” (art.206, inciso I) garantindo a todos o
direito à educação e ao acesso à escola, sendo que não se poderia excluir
nenhuma pessoa em razão de sua origem, raça, sexo, cor, idade, deficiência ou
ausência dela.
A Lei Federal de número 7853 de 1989 estabelece a oferta obrigatória e gratuita da educação
especial em escolas públicas e prevê crime punível com reclusão e multa para os
dirigentes de ensino público ou privado que se recusarem ou suspenderem sem
justa causa a matrícula de um aluno portador de necessidades especiais.
Em 1990 a Secretaria Nacional
de Educação Básica assume a responsabilidade na
implementação da política de educação especial e o Brasil aprova o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que reitera os direitos garantidos
na Constituição de 1988.
Em 1994, promovida pelo governo da Espanha e
pela UNESCO, foi realizada a Conferência Mundial sobre Necessidades
Educacionais Especiais culminando na Declaração de Salamanca, sobre princípios,
política e práticas em Educação Especial. Este tem sido até hoje o
documento-guia:
“Escolas regulares que possuam tal orientação
inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes
discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras construindo
uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos” (UNESCO,
1994, p.1).Em
Garantia
de ensino fundamental obrigatório de oito anos a todas as crianças de 7 a 14 anos, assegurando o seu
ingresso e permanência na escola e a conclusão desse ensino [...];
Garantia
de ensino fundamental a todos os que não tiveram acesso na idade própria ou não
o concluíram [...];
Ampliação
do atendimento nos demais níveis de ensino – educação infantil, ensino médio e educação
superior [...] (p.8).
Atualmente
educadores compreendem a importância da inclusão, mas ainda faz-se necessário
transformações mais abrangentes. Além da equiparação de oportunidades, é
indispensável que haja respeito, aceitação do outro como ele é, acolhimento,
empatia e o estímulo ao sentimento de pertencimento à comunidade acadêmica.
MC
LAREN (1997) considera que “mesmo que seja provavelmente verdade que as
escolas não podem refazer a
sociedade, elas devem encontrar maneiras melhores de tornarem-se locais vitais
para todos os estudantes, locais onde eles possam aprender a usar os
instrumentos para ganharem um senso de controle sobre seus destinos, em vez de
sentirem-se presos pelo seu status social”
(p, 183).
Ressaltamos que na trajetória histórica
das políticas educacionais de inclusão no Brasil os vários procedimentos foram
construídos pelas intencionalidades e interesses do Estado, apresentando-se de
forma diferenciada nos vários momentos de nossa história. Compreendê-los
significa abranger as contradições que se apresenta na história brasileira
constituída de diversidades muitas vezes negada em função de políticas de Estado.
O
desinteresse e o descaso político prevaleceu durante quase toda a história,
deixando a responsabilidade da educação de deficientes para as instituições de
caráter assistencialista baseada em políticas de “favor”, na qual o descaso do
Estado pode ser observado até os dias de
hoje. Embora, alguns autores considerem
que, mesmo lentamente, foram muitos os avanços ocorridos nesta área,
consideramos que a problemática de exclusão/inclusão educacional permanece até
os dias de hoje.
Há
de se observar que a legislação existe de modo a favorecer os portadores de
deficiências, no entanto sua aplicabilidade ainda não é efetivada.
REFERÊNCIAS:
FERREIRA, J. R. e GLAT, R. Reformas educacionais pós LDB: a inclusão do aluno com necessidades especiais no contexto da municipalização. In: SOUZA, D. B. & FARIA, L. C. M. Descentralização, municipalização e financiamento da educação no Brasil pós LDB. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2003.
McLAREN, Peter. Multiculturalismo. São Paulo: Cortez, 1997.
ONU/UNESCO (1994). Declaração de Salamanca sobre princípios, política e prática em educação especial.
RAGONESI, M. E. M. M. Psicologia escolar: pensamento crítico e práticas profissionais. Tese (Doutorado em educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.
SASSAKI, Romeu K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro, WVA, 1997.
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