“Na vida só há um modo de ser feliz. Viver para os outros.”
Léon Tolstoi
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
A relevância do diagnóstico da dislexia e da intervenção de qualidade
Dados sobre a Educação no Brasil em 2009 apontam que há 13% de crianças entre 10 e 14 anos com mais de dois anos de atraso escolar, com grande variação entre as regiões do País (PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios / Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2009). Esses resultados apontam que parte de nossas crianças consegue atingir níveis de competência em leitura, mas uma parcela importante da população que cursa o ensino fundamental no Brasil ainda não alcançou níveis recomendáveis para sua idade. Aproximadamente 40% das crianças em séries iniciais de alfabetização apresentam dificuldades escolares devido a múltiplas causas incluindo falta de oportunidade social, ambiente cultural pouco
estimulante, desvantagens sócio-econômicas, falhas no acesso ao ensino e aos métodos pedagógicos adequados, além de fatores neurobiológicos diversos.
É evidente que o ensino de leitura no país ainda tem muito que melhorar e muitas vezes este desempenho ruim reflete um acúmulo de dificuldades desde a época da alfabetização. No entanto, dentre as crianças com dificuldades escolares há um número de crianças que apresentam uma condição de ordem funcional, como o transtorno específico de leitura, ou a dislexia.
Estudos epidemiológicos atuais apontam que os transtornos específicos de leitura são muito freqüentes com prevalência entre 5 a 10% da população mundial em idade escolar. Nos países em desenvolvimento, tais transtornos contribuem significativamente para as altas taxas de fracasso e evasão escolar.
Neste sentido, dada a complexidade e características multifatoriais dos transtornos de aprendizagem é essencial distinguir os casos onde há predomínio dos fatores psicossociais e ambientais daqueles de bases orgânicas e neurobiológicas. Tal distinção é essencial tanto para a condução de um diagnóstico preciso como para a seleção das diferentes estratégias de intervenção, sejam estas na área da saúde ou educacionais e sociais, mais adequadas e específicas a cada caso.
A dislexia conforme conceito atual proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) consiste de um transtorno do neurodesenvolvimento que é caracterizado pela dificuldade específica de leitura, não explicada por déficit de inteligência, falta de oportunidade de aprendizado, motivação geral ou acuidade sensorial diminuída seja visual ou auditiva. A habilidade mais prejudicada na dislexia é a de segmentar, manipular e sintetizar seqüências de sílabas e fonemas que compõe as palavras, a habilidade de consciência fonológica. A avaliação diagnóstica da dislexia é essencialmente interdisciplinar e requer zelo, critérios diagnósticos clínicos e deve envolver um amplo espectro de instumentos padronizados, questionários para escola e familiares, afastando-se causas sensoriais (visuais, auditivas). Os exames de neuroimagem podem ser utilizados como auxílio clínico nos casos com anormalidades no exame neurológico ou com sintomas neurológicos clínicos
como de crises epilépticas. A avaliação diagnóstica interdisciplinar deve abranger também outros aspectos funcionais:
1. A avaliação da eficiência, velocidade e automatização da leitura;
2. Avaliação da eficiência, velocidade e automatização da escrita e discriminação do tipo de erros na escrita;
3. A discrepância entre o mau desempenho na leitura quando comparado com o seu desempenho cognitivo (geralmente, discrepância de dois anos).
O diagnóstico de dislexia tem uma extensa e sólida demarcação clínica e neuropsicológica enquanto transtorno reconhecidamente de base orgânica (neurológica) e genética caracterizada pela falha nos mecanismos cerebrais
responsáveis pela manipulação da estrutura sonora das palavras e/ou pela
dificuldade na transposição da representação gráfica em seu correspondente
fonológico (sonoro). Como a maioria dos transtornos do desenvolvimento e dos
problemas psiquiátricos de maneira geral, não há até o momento um marcador
biológico único, seja de neuroimagem ou genético, presente em todos os
casos.
Os avanços da neurociência, tornando mais nítida e objetiva a interface
mente/cérebro, permite-nos compreender melhor os aspectos neurológicos e
cognitivos que subjazem aos padrões comportamentais da dislexia.
Estudos recentes avaliando áreas cerebrais durante provas de leitura mostram que as crianças com dislexia apresentam baixa ativação metabólica da rede neural do hemisfério cerebral esquerdo, nas diferentes tarefas como leitura, no reconhecimento de rimas, e estes dados são consistentes nas diversas culturas e línguas.
A leitura e a escrita compartilham áreas cerebrais com outras funções cognitivas, incluindo os circuitos relacionados à atenção, memória e planejamento executivo. Neste sentido, não é de se surpreender a associação da dislexia com outros transtornos do desenvolvimento como o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade que pode ser encontrado em aproximadamente 30% das crianças com dislexia. Pode haver também uma continuidade multidimensional para a habilidade de leitura, em geral, e para as demais habilidades cognitivas relacionadas.
Há heterogeneidade de manifestações de transtornos de leitura em uma gradação completa e contínua, desde a criança com dislexia severa, em um extremo, até o leitor fraco por atraso de desenvolvimento da linguagem.
Estudos recentes com neuroimagem mostram a importância da reabilitação,
principalmente baseada no treino de habilidades fonológicas. Há um aumento
da atividade metabólica de áreas temporo-parietais e frontais do hemisfério
esquerdo e um recrutamento de circuitos em áreas homólogas do hemisfério
direito e de áreas cerebrais responsáveis pela modulação emocional e
motivacional. Observa-se ainda uma correlação entre a magnitude da ativação
e a melhora clínica sugerindo que tais achados podem num futuro próximo
sugerir marcadores neurobiológicos de sucesso da reabilitação. Neste sentido,
o avanço nas pesquisas de tais tecnologias poderá contribuir tanto para um
diagnóstico precoce quanto para a reabilitação facilitando a seleção das
estratégias mais efetivas para potencializar rotas residuais.
De acordo com dados publicados pelo IBGE (2010) o Brasil tem cerca de 190 milhões de habitantes, dos quais quase 45 milhões de crianças e adolescentes estão matriculados no ensino regular. Se considerarmos a prevalência reservada de 4% de alunos disléxicos ainda assim estaremos diante de 1.8 milhões de brasileiros nessa condição.É importante ressaltar que o bom e o mau prognóstico da dislexia não
dependem apenas de fatores biológicos e neurológicos, mas do diagnóstico
precoce, e conseqüentemente do início precoce da intervenção. Isto irá permitir
uma maior integração com a escola, facilitar a aceitação e inserção social da
criança com dificuldade de leitura e escrita, prevenindo as conseqüências
emocionais e comportamentais desastrosas do não reconhecimento em termos
de autocompetência e autoestima. Embora o diagnóstico clínico definido
requeira pelo menos 2 anos de diferença entre a idade cronológica e a idade
de leitura, é possível reconhecer precocemente crianças em idade pré-escolar
de risco por exemplo aquelas com dificuldade de manipulação fonológica, já
verificada aos 5 e 6 anos. Se passarmos a identificar tais crianças podemos
estabelecer um programa de estimulação e intervenção também mais precoce
e eficiente. Tal identificação é fundamental quando entendemos que a janela
de desenvolvimento da linguagem na criança é mais ativa antes dos 6 anos de
vida.
Para finalizar é essencial reconhecer que as bases neurobiológicas da
dislexia já estão bem estabelecidas e fazem parte do conhecimento científico
amplamente confirmado por estudos epidemiológicos e de pesquisa clínica em
todo o mundo. Trazer à luz a questão da dislexia e buscar ajuda nas políticas
públicas de saúde e educação com o intuito de apoiar crianças e jovens com
dislexia e suas famílias, não significa que estamos dando as costas para a questão da educação em nosso país. E ainda, assumir posições irracionais e negar a existência da dislexia justificando toda e qualquer dificuldade de aprendizagem por aspectos de ordem geral sócio-econômicas, pedagógicas e institucionais é um grande desserviço para a comunidade tão carente de atenção, leis adequadas de adaptação e capacitação profissional necessárias.
Há que se ater à necessidade de criar abordagens tanto para reconhecer como para implementar estratégias efetivas e precoces de intervenção. Tal postura centrada na ideologização do conhecimento, no reducionismo ancorado na bandeira ideológica contra a medicalização dos problemas de saúde deve ser combatida com conhecimento e capacitação. Identificar a dislexia é também prover as escolas de condições ideais para a adaptação curricular, recursos pedagógicos especializados, mobilizando a sociedade para apoiar a aprovação de leis que auxiliem nossas crianças a enfrentarem seus desafios pedagógicos e humanos com maior dignidade e autoestima. Um dos maiores indicadores de mau prognóstico da dislexia é o estigma que acompanha o não reconhecimento da dislexia pela sociedade. Um estigma que deve ser combatido com informação para que crianças inteligentes e criativas não fiquem à margem do processo de socialização garantido através da educação e da cultura.
Documento elaborado em março de 2011 por:
Prof. Dr. Abram Topczweski
Formou-se na Escola Médica do Rio de Janeiro (Universidade Gama Filho) em
1970. Mestre em neurologia pela USP, Doutor em neurociências pela UNICAMP. ExProfessor assistente de neuropsicologia da PUC-SP, Neuropediatra do Hospital
Israelita Albert Einstein, Consultor de neuropediatria da AACD e do Hospital Infantil Darcy Vargas. Vice-Presidente da Associação Brasileira de Dislexia(ABD); Diretor do Hospital Israelita Albert Einstein; Membro do conselho de Ética Médica do Hospital Israelita Albert Einstein.
Profa. Dra. Ana Luiza Navas
Possui graduação em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade
Federal de São Paulo (1988), mestrado em Psicolinguistica - University of Connecticut (1993) e doutorado em Psicolinguistica - University of Connecticut (1998). Membro do Conselho administrativo da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. Professora adjunto, e atual Diretora do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Membro da Diretoria da Society for the Scientific Studies of Reading (SSSR) como Coordenadora Internacional. Diretora do Instituto ABCD (2010 – presente).
Prof. Dr. Jaime Zorzi
Possui graduação em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (1976), mestrado em Distúrbios da Comunicação pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (1988) e doutorado em Educação pela
Universidade Estadual de Campinas (1997). Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de
Fonoaudiologia e Ex-Conselheiro do Conselho Regional de Fonoaudiologia - 2ª
Região. Foi professor de cursos de graduação em fonoaudiologia na PUCSP e na
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Na pós-graduação, atua
no CEFAC Pós-Graduação em Saúde e Educação, como coordenador, organizador e
professor de cursos de especialização nas áreas da Fonoaudiologia e Educação. Tem
trabalhado em programas de formação de professores de ensino fundamental e em
assessoria educacional, com enfoque principalmente no desenvolvimento de
propostas para facilitar a alfabetização de alunos com problemas de aprendizagem.
Prof. Dr. Mauro Muskat
Médico neurologista com graduação em Medicina pela Faculdade de Ciências
Médicas da Santa Casa de São Paulo (1977), mestrado em Medicina (Neurologia)
pela Universidade Federal de São Paulo (1989) e doutorado em Medicina (Neurologia)
pela Universidade Federal de São Paulo (1992). Atualmente é coordenador do Núcleo
de Atendimento Neuropsicológico Infantil Interdisciplinar do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo.Tem experiência na área de
Medicina, com ênfase em Neurologia, atuando principalmente nos seguintes temas:
epilepsia, neurodesenvolvimento infantil, neuroplasticidade e TDAH. Professor
orientador do Curso de Pós Graduação de Educação e Saúde da Infância e
Adolescência da Universidade Federal de São Paulo.
Fonte:http://www.dislexia.org.br/
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário