“Na vida só há um modo de ser feliz. Viver para os outros.”

Léon Tolstoi

domingo, 28 de agosto de 2011

Marcelo Flaquer, meu aluno


Entrevista de Marcelo Flaquer ao professor Ari Vieira

Minhas amigas e amigos. Marcelo Flaquer poderia ter sido um aluno como outro qualquer na minha carreira, mas não foi, ele marcou. Sou um dos tutores e elaborador do curso Inclusão da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida na Educação para o Trânsito da Cia. Engenharia de Tráfego de São Paulo. Numa dessas turmas um aluno se apresentou e acrescentou uma característica pessoal, “sou autista”. Confesso que fiquei preocupado no começo, afinal, como iria estabelecer com ele uma interação? Foi uma surpresa e aprendizado para mim. Marcelo participou das atividades, cumpriu todos os requisitos do curso e me mostrou que o autismo é apenas uma situação que o torna diferente, no entanto, isso não o deixa em desvantagem em relação aos demais. A mesma coisa acontece comigo: a cadeira de rodas apenas me faz diferente, no entanto, a nossa deficiência não nos torna incapaz em relação aos outros, o ambiente em que vivemos é o fator capacitante ou incapacitante da pessoa com deficiência. Minha relação com Marcelo Flaquer foi tão rica que o entrevistei. Assim posso compartilhar com todos um momento especial para mim e nas palavras dele vocês perceberão a sabedoria daqueles que ao ter uma oportunidade na vida sabem segurá-la e explorá-la com sabedoria.


Ari – Marcelo, para começarmos a conversa, fale um pouco sobre você. Seu currículo, nome completo, idade, o que você faz na vida e o que você achar importante.

Marcelo - Sou Marcelo Silveira Flaquer, nasci em Campinas –SP e tenho 22 anos. Faço Pedagogia na Universidade Metodista de SP e sou autista.

Ari– E a sua infância, como é a vida de uma criança autista?

Marcelo - Tive uma infância como a de muitas crianças, morávamos na Praia Grande, então eu ia à praia, jogava bola, brincava com os meus coleguinhas. Mas tb, em muitos momentos, principalmente na escola sofríamos discriminação por sermos “diferentes”. Digo sofríamos, pq meu irmão mais velho Guilherme, também é autista.

Ari– Autismo, o nome e a definição ainda são mistérios para os professores. Conte-nos como foi seu início na fase escolar. Fale de seus professores e colegas.


Marcelo – Meus pais sempre se preocuparam em nos colocar em escolas onde a direção e os professores nos compreendessem. Até o ano de 1999, freqüentamos escolas públicas. Primeiro na educação infantil e depois no ensino fundamental , mas a partir do primeiro ano, por uma determinação da secretaria de educação fomos obrigados a freqüentar a classe especial. Mas, meus pais, não concordaram com esta determinação e judicialmente conseguiram a autorização para que nós realizássemos uma prova para averiguar nossas capacidades intelectuais e a partir daí fomos para o ensino regular.
Na verdade, eu e meu irmão tínhamos muito apoio dos meus pais, foram eles que nos alfabetizaram, que nos ensinaram matemática, que liam para nós dois, poesias, romances, contos, livros de história, geografia, revistas, nos levavam a museus, exposições de arte, shows, teatros. Para eles era importante que conhecêssemos todo tipo de arte e cultura.

Ari – Marcelo, você encontrou muita resistência na escola para se inserir em todo contexto escolar?

Marcelo- Não. Mas meu irmão sim. Em 1999 meu pai faleceu e minha mãe foi obrigada a voltar a trabalhar e nos colocou em uma escola particular em Campinas.
Estávamos ainda muito abalados, minha mãe ausente de casa o dia todo, escola nova e o fato de saber que nunca mais estaríamos com o meu pai. Então um dia, meu irmão chegou muito nervoso em casa. Mas não contou o que tinha acontecido. No dia seguinte a mesma coisa. Aí minha mãe foi procurar o professor para saber o que tinha acontecido e ele não estava. Mas depois enviou um bilhete pedindo que meu pai fosse conversar com ele. Como????? Meu pai tinha falecido e todos na escola sabiam!! Aí meu irmão contou que o professor de história tinha obrigado à ele andar de joelhos, engatinhando e pedindo licença para entrar. Minha mãe não se conformou, nos trocou de escola e denunciou o fato à imprensa.


Ari – E sua família? Sabemos o quanto é fundamental o apoio familiar. Autismo costuma assustar as famílias no início e depois com o passar dos anos, os pais começam a observar nos filhos outros valores, isso de certa forma aconteceu com você?

Marcelo- Como eu disse, meus pais sempre nos apoiaram. Sem eles, com certeza não teríamos conseguido realizar nossos sonhos. Meu irmão tem 24 anos, é tecnólogo, está concluindo a segunda pós graduação e sua tese é sobre a inclusão no ensino superior. E eu estou me formando. Às vezes eu nem acredito que estou conseguindo. Mas, eu não posso esquecer que toda a minha família tb sempre me apoiou, meus avós, meus tios, meu padrasto.

Ari – Outro dia conversando com uma professora de São Paulo ela me disse que estava com um aluno autista (ela é professora do ensino fundamental) e que não sabia por onde começar a estabelecer comunicação. Essa professora vai ler sua entrevista e assim, o que você a orientaria para que ela tenha uma relação harmoniosa com seu aluno?


Marcelo- Hj além de ser autista, Tb sou quase um educador. Acredito que o primeiro é se informar sobre a síndrome. Acredito Tb que essa criança deve estar recebendo atendimento em alguma instituição. Aqui em Campinas, temos a Adacamp, onde eu faço acompanhamento até hj. Ela deve entrar em contato com os profissionais que o atendem e juntos encontrarem o caminho. Não há fórmulas, cada criança é diferente, têm necessidades diferentes. Mas com dedicação e carinho e claro, respeitando o tempo desse aluno, ela encontrará a melhor forma de agir. Ah, é importante tb que ela não permita que aja discriminação, essa criança precisa se sentir incluída, participante, precisa se sentir feliz. Acho que é o mais importante, aí o aprendizado surge naturalmente.

Ari – Marcelo vamos desvendar essa questão do autismo? As pessoas de modo geral pensam que pessoas autistas não se relacionam, não aprendem, não trabalham e você contraria todos estes estigmas, você estudou, faz faculdade, se relaciona, faz o nosso curso a distância, enfim, você participa de tudo como qualquer outra pessoa. Marcelo, como você conseguiu superar tantas barreiras?


Marcelo- Não é bem assim. Por exemplo,, não tenho amigos que freqüentem a minha casa, nunca tive uma namorada, não consigo passar em entrevistas para emprego. E quanto à faculdade, tenho apoio de toda a equipe, professores, funcionários, tenho mais tempo para realizar as provas e uma pessoa que a lê para mim. Mas não me preocupo com nada disso. Penso que quem gostar realmente de mim, tem que me aceitar como sou, com minhas manias, minha dificuldade em me comunicar, meu jeito desengonçado de andar, de dançar. Mas não desisto e vou à luta! E penso também, que se meu irmão já está em seu segundo emprego (apesar de não se na área dele), eu tb conseguirei!

Ari – E sua adolescência? Fale-nos um pouco dela.

Marcelo- Foi tranqüila. Não passei por dramas de namoro, de paixão. Aquela coisa de adolescente. Mas, saía, ia a baladas, cinemas, shoppings, viajava. Sempre com a minha família e amigos da minha mãe ou com o meu irmão. Uma vez minha mãe mandou a gente viajar sozinhos para a praia, para aprendermos. Ficamos 15 dias na praia, tínhamos que cozinhar, arrumar o apartamento, fazer compra, controlar o dinheiro,... telefonávamos para ela o dia todo, cheguei até a perder meu RG!! Mas, ela nos tranqüilizava, nos orientava em tudo e foi um super aprendizado!! Mas, também é importante eu dizer que sabia quando as pessoas me olhavam diferente, ou faziam sinais, enfim, de alguma maneira me faziam sentir diferenciado, mas procurei ignorar todos esses momentos desagradáveis (e foram muitos!).

Ari – Agora adulto, você estuda Pedagogia e vai se formar este ano. Quais seus planos profissionais para o futuro?

Marcelo - Na verdade, fiz pedagogia para trabalhar com a terceira idade, é o que gosto. Participo de um núcleo de estudos do Sesc a muitos anos. Quero fazer pós em gerontologia, mas enquanto isso não acontece, gostaria muito de trabalhar em alguma escola, ao menos como auxiliar, tb gosto de estar de estar com as crianças e como já fiz o estágio obrigatório, experiência já tenho. Tenho um lema: Eu quero, eu posso, eu consigo!


Fonte: http://arivieiracet.blogspot.com/2011/04/marcelo-flaquer-meu-aluno.html




2 comentários:

  1. Parabéns pela linda entrevista, trabalhei com o Marcelo na Adacamp e me emocionei em ler suas palavras. Feliz em ver ele muito bem tocando a sua vida. Sempre teve força de vontade e coragem para ir atrás do que queria e está aí o resultado maravilhoso de suas buscas!! Parbéns! fiquei muito feliz mesmo!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Tati,

      Eu é quem fico feliz com a sua visita no nosso blog e o seu comentário. Obrigado por tudo, mesmo!!!
      Estou com saudade,

      Bjos

      Marcelo

      Excluir