“Na vida só há um modo de ser feliz. Viver para os outros.”

Léon Tolstoi

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Tenho algo a dizer - Ana Barbosa

Arte-educadora paralisada há dez anos por um derrame defende hoje sua tese de doutorado; sem poder falar, Ana Barbosa, 46, se comunica com a ajuda de uma tabela de letras, que ela seleciona com movimentos do rosto, uma a uma.

Marlene Bergamo/Folhapress


CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Ela não fala, não come, não se move. Mas pinta, estuda e ensina arte a crianças que nasceram com paralisia cerebral. Tudo isso usando o olhar, um leve movimento de queixo e um programa de computador desenvolvido especialmente para ela.


Hoje, às 14h, a artista plástica Ana Amália Tavares Barbosa, 46, defende sua tese de doutorado em arte e educação no Museu de Arte Contemporânea da USP, iniciada quando já estava paralisada.

O estudo, intitulado "Além do Corpo", é fruto de três anos de trabalho com artes visuais desenvolvido com um grupo de seis crianças com lesões cerebrais, atendidas na Associação Nosso Sonho, onde Ana também leciona.

Todas as crianças usam cadeiras de rodas, não falam e têm dificuldade de enxergar. Assim como a professora.

Em 2 de julho de 2002, exatamente no dia da defesa da sua dissertação de mestrado na ECA (Escola de Comunicações e Artes), Ana Amália sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral) no tronco cerebral e ficou tetraplégica, muda e disfágica (não consegue mastigar e engolir).

"Ela começou a passar mal quando uma das pessoas da banca não apareceu porque confundiu as datas. No hospital, foi perdendo os movimentos, começando pelas pernas", conta a mãe Ana Mae Barbosa, 75, professora aposentada da Faculdade de Educação da USP.

O pai, João Alexandre Costa Barbosa (morto em 2006), crítico literário e também professor aposentado da USP, acompanhava a filha.

Ele relatou à mulher as últimas palavras de Ana Amália. Ao escutar o médico perguntando se ela era muito nervosa, disparou: "Por que vocês médicos sempre acham que a culpa é do paciente?".

Como sequela, Ana Amália ficou com síndrome do encarceramento ("locked in"), retratada no filme "O Escafandro e a Borboleta" (2007).

"No primeiro ano, ela só dizia: 'eu quero morrer'. Depois, voltou a se apossar da vida", diz a mãe.

Foram 40 dias de UTI e quatro meses de internação até Ana Amália voltar para casa. A família conta com três enfermeiras, que se revezam 24 horas, duas fonoaudiólogas e duas fisioterapeutas.

Com a cognição e a memória preservadas, Ana se comunica por meio de um cartão com letras e de um programa de computador (veja quadro abaixo), desenvolvido pelas redes Sarah (Brasília) e Lucy Montoro (SP).

O atual desafio é fazer com que ela mastigue e engula a comida. Ana usa um cateter ligado ao estômago.

Ana Mae consulta a filha o tempo todo. "Quantos semestres você cursou psicologia na PUC como ouvinte? Dois, três, quatro." Ao ouvir quatro, Ana pisca os olhos. "Ela é a minha memória."

A terceira Ana da casa, Ana Lia, 11, tinha apenas um ano e oito meses quando a mãe sofreu o AVC. "Aos poucos, ela aprendeu a interpretar meus olhares", escreve, com os olhos, Ana Amália.

Os desenhos também foram (e continuam sendo) uma conexão entre as duas.

DOUTORADO

No projeto de doutorado, Ana Amália trabalhou, com a ajuda de assistentes, a percepção corporal dos alunos.

Uma das atividades foi desenhar o contorno dos corpos em papel, depois recortá-los e pintá-los. Por fim, construir cenas nas quais os corpos brincam. "Eles exploram o espaço já que não podem fazê-lo na vida real, pois estão presos à cadeira de roda."

Outra preocupação foi a inclusão cultural dos alunos. Ana Amália os levou a espaços como o Instituto Tomie Ohtake e o Jardim de Esculturas (Parque da Luz).

Ana Amália Barbosa com seus alunos

Artista tetraplégica e muda é PhD com 'distinção e louvor'
Jornal Folha de São Paulo,quinta-feira, 10 de maio de 2012

Christian Tragni/Folhapress
A artista plástica Ana Amália, 46, com a filha Ana Lia, 11, a mãe, Ana Mae, e o pai da garota
CLÁUDIA COLLUCCI



DE SÃO PAULO

O primeiro "obrigada" foi mais difícil e demorado. O nervosismo atrapalhava a doutoranda na escolha das letras. No entanto, depois de um "ops!" que arrancou gargalhadas da plateia, ela se soltou e respondeu com desenvoltura aos comentários da banca examinadora.

Ao final de três horas, Ana Amália Tavares Barbosa, 46, recebeu ontem, com "distinção e louvor", o título de doutora em arte e educação pela USP. É a primeira pessoa na sua condição (tetraplégica, muda, com deficiência visual e que não consegue mastigar e engolir) a receber o título lá.

Ana Amália escreveu sua tese usando um programa de computador desenvolvido para ela. Ela toca um sensor com o queixo para escolher cada letra e formar, assim, as palavras. No início da cerimônia, fez uma apresentação usando um programa que transforma o texto em voz.

Há dez anos, Ana Amália sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) no tronco cerebral, no dia da defesa da sua dissertação de mestrado. Como sequela, ficou com síndrome do encarceramento ("locked in").

Sua tese, intitulada "Além do Corpo", é fruto de três anos de trabalho com artes visuais, realizado com um grupo de seis crianças com lesões cerebrais atendidas na Associação Nosso Sonho.

A defesa da tese quebrou todos os protocolos. Teve choro, risos, aplausos fora de hora e fala que não estava prevista. "É um momento histórico não só para as pessoas com deficiências, mas para toda a sociedade. Deve levar a uma transformação do modelo educacional vigente", disse a secretária dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Linamara Battistella.

A mãe de Ana Amália, Ana Mae Barbosa, professora aposentada da ECA (Escola de Comunicação e Artes), preferiu assistir à cerimônia de longe. "Estou nervosíssima e muito orgulhosa. Ela deixou de ser vítima da vida para conduzir a própria vida."

As cinco examinadoras elogiaram a clareza, a objetividade e a concisão do texto de Ana Amália. E, principalmente, o caráter de "manifesto político" do trabalho.

"Ele mostrou que não sabemos nada de aprendizagem, de educação, de cognição, de percepção, de inteligência e de generosidade", afirmou Sumaya Mattar, professora da ECA.

A orientadora de Ana Amália, Regina Stela Machado, resumiu: "A gente dá muita desculpa para o que não faz, vive muito na superficialidade e não vê as coisas importantes da vida."

Ao final, já doutora, Ana Amália disse só uma palavra com os olhos: "Consegui".

fonte:http://arivieiracet.blogspot.com.br/

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