Por ISABEL GARDENAL
Pesquisa de doutorado da Faculdade de Educação (FE), sobre o curso superior de pedagogia para educadores do campo, apurou que o significado que a formação universitária tem para os movimentos sociais se vincula aos valores, história, cultura e formação de identidade dos trabalhadores rurais sem terra, numa perspectiva emancipatória. Esses movimentos compreendem que o acesso à formação é um direito do cidadão e que o conhecimento obtido na universidade não deve necessariamente mudar a realidade desses educadores. Sem ele, porém, isso também não será possível.
O trabalho, da pedagoga Yolanda Zancanella e orientado pela docente da FE Maria da Glória Gohn, foi feito com duas turmas do curso na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Foram 41 universitários (dez egressos e 31 graduandos) de acampamentos e assentamentos dos Estados do Paraná, Santa Catarina e São Paulo.
Eles foram entrevistados a fim de compreender o significado dessa formação para os movimentos sociais do campo, como estão as escolas rurais e até que ponto tal formação contribuirá para elas.
No Brasil, hoje há 13 universidades públicas parceiras do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e dos movimentos sociais do campo, os quais oferecem o Curso de Pedagogia para Educadores do Campo/Pedagogia da Terra.
O Pronera, criado em 1998, visa à educação dos jovens e adultos assentados em comunidades rurais mediante processos de reforma agrária. Eles têm despesas, como alimentação e transporte, custeadas ao longo do curso.
A sua formatação difere dos cursos regulares, tendo como foco a Pedagogia da Alternância, articulada entre dois tempos educativos: o Tempo Escola (TE) e o Tempo Comunidade (TC). No primeiro, o aluno estuda e permanece no espaço da universidade e, no segundo, transita dela para o seu contexto. Além disso, frequenta um curso de férias ou em período fora da colheita. Quanto à legalidade, tem duração de quatro anos na modalidade Licenciatura, com carga horária de 2.800 horas-aula, como os cursos regulares de Pedagogia.
Trata-se de um projeto novo no país, porém as universidades que o ofertam em geral estão na segunda turma. Destina-se aos integrantes dos movimentos sociais do campo, beneficiários da reforma agrária e que tenham ligação com a educação nos acampamentos e assentamentos. Yolanda apontou que os participantes são em especial militantes do MST.
Logo nos primeiros assentamentos, informa ela, notou-se que a instituição da escola era fundamental para as crianças. A pesquisadora se propôs a interpretar o contexto dos cursos da Unioeste e viu que já existe um movimento com uma forte expansão na área das Licenciaturas de Educação do Campo.
O interesse nesses cursos foi manifestado ao Ministério da Educação (MEC), com ênfase para a região Nordeste. Dela foram 13 das 24 propostas entre as instituições públicas de ensino superior – para locais carentes de professores com capacitação nas escolas rurais.
Os estudos voltados à Educação Rural, notou Yolanda, confirmam que a educação escolar seguiu a cultura e padrões urbanos em sua expansão, desconsiderando as questões sociais e os desafios do homem do campo. Permeava a ideia de que, para "pegar na enxada", não era preciso estudo.
A pesquisa sugeriu que os cursos universitários para a formação de educadores do campo contemplam especificidades da cultura do campo e constituem renovação pedagógica diante da Educação Rural até então mantida pelo Estado.
Os novos cursos propõem recriação do conhecimento a partir dos saberes coletivos dos movimentos sociais. O motivo alegado para se buscar a formação universitária é a precariedade da educação do campo.
Os jovens almejam a melhoria das escolas públicas do campo e a sobrevivência nos acampamentos e assentamentos. "E, para que possam lidar com a terra, precisam do conhecimento sistematizado: Sociologia, Geografia e ciências que auxiliem na lida com a terra e na sobrevivência do movimento", pondera Yolanda.
A qualificação de educadores foi muito citada pelos entrevistados. Mas, mesmo com os esforços de luta, reivindicações e parcerias para que os militantes dos movimentos tenham a formação universitária, não há garantia de que eles continuarão trabalhando nas escolas ou no campo, realça a pedagoga.
Vertente
O Censo Escolar do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao MEC, indicou que havia no Brasil em 2009 mais de 80 mil escolas de Educação Básica na área rural.
Yolanda lamenta que elas tendam à nucleação, o que implicaria a retirada de muitas delas das comunidades rurais, transferidas para as sedes dos municípios. Há ainda questões estruturais como as condições das estradas rurais, do transporte dos alunos e, nas etapas iniciais do processo, adequação de horários e condicionamento para estudar longe das comunidades. O processo tem causado reações adversas nos movimentos sociais.
■ Publicação
Tese: “Cursos superiores universitários: formação de educadores do campo”
Autora: Yolanda Zancanella
Orientadora: Maria da Glória Gohn
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
Fonte: http://www.unicamp.br/unicamp/ju/526/universidade-e-os-educadores-do-campo
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