“Na vida só há um modo de ser feliz. Viver para os outros.”
Léon Tolstoi
sábado, 25 de maio de 2013
Sustentabilidade na Escola
Uma escola sustentável é, antes de mais nada, uma escola que aprende em diálogo permanente, que extrapola seus limites e envolve o bairro, a cidade, o mundo.
Mas como fazer isso?
No projeto Currículo Global, escolas de cinco países vêm debatendo o assunto e construindo propostas concretas...
Escolas sustentáveis, educação global
(por Madza Ednir e Priscila Assumpção Scripnic)
Publicado originalmente na Revista Pátio, nº 64 (nov. 2012)
Que escolhas devemos fazer hoje, nas escolas, para ajudar a criar o futuro comum da humanidade? Talvez um caminho tenha sido apontado pelo educador português José Pacheco, criador da Escola da Ponte e atualmente consultor do Projeto Âncora no Brasil: “Parem de fazer aquilo que vêm fazendo” (1).
Muitas escolas vêm fazendo por merecer o título de “escolas do mundo ao avesso” (Galeano, 2009). Insustentáveis por não satisfazer as necessidades de aprendizagem do presente e assim comprometer o futuro, elas são ambientalmente incorretas, pois desperdiçam não só energia e água, mas também talentos, confinando crianças em espaços fechados, restringindo as oportunidades de criar, decidir, cooperar, movimentar-se; socialmente injustas, pois dificultam o acesso e produzem o fracasso dos mais vulneráveis, além de negligenciar o cultivo do entendimento mútuo e da não violência; economicamente inviáveis, pois não preparam os jovens para atuar de forma cidadã, melhorando sua vida e o mundo.
Uma escola sustentável é, antes de mais nada, uma escola que aprende — onde todas as pessoas, de todas as idades, aprendem —, em diálogo permanente, que extrapola seus limites e envolve o bairro, a cidade, o mundo. Nela se desenvolve a criticidade e o pensamento sistêmico: “a consciência da complexidade, das interdependências, da mudança e do poder de influenciar” (Senge, 2005, p. 57). A escola sustentável recebe informações, recursos, demandas, desafios dos sistemas mais amplos aos quais pertence e sobre eles atua a partir dos conhecimentos que sistematiza. Trata-se de uma escola pulsante, viva, que se define menos como espaço físico e mais como redes de interações horizontais, de trocas qualificadas de saberes entre alunos, docentes, funcionários, famílias, especialistas, profissionais, artistas, cientistas, empresários, lideranças de movimentos e organizações sociais, artesãos, religiosos, políticos, governantes — atores sociais com os quais se comunica real ou virtualmente, em situações de aprendizagem nas quais os alunos podem transformar informações em conhecimento que interfere na realidade. A escola sustentável, por adotar o pensamento sistêmico — o que implica perceber que nenhum evento pode ser compreendido isoladamente e que os problemas ou desafios locais ganham sentido ao serem contextualizados globalmente —, é também uma escola que pratica a educação global e forma cidadãos planetários.
Em diferentes pontos do mundo, uma educação global para a sustentabilidade começa lentamente a emergir. Na União Europeia, o Congresso de Educação Global realizado em 2002 na cidade holandesa de Maastrich, definiu educação global como aquela que abre os olhos e as mentes das pessoas para as realidades do mundo globalizado, despertando-as para construir um mundo de maior justiça, equidade e direitos humanos para todos: “Falar de educação para a sustentabilidade, educação para a paz e transformação dos conflitos, de educação intercultural, é falar de educação global. Educação global é a dimensão global da educação para a cidadania” (Maastrich Global Education Declaration, 2012).
No continente africano, criam-se iniciativas para forjar o desenvolvimento sustentável, construindo parcerias entre diferentes países da região com o apoio financeiro de entidades não africanas. O Projeto Shongai é uma delas. Sediado em Porto Novo, no Benin, o centro de pesquisa e educação, que também é uma fazenda, foi concebido e é implementado por beninenses. Nele se combinam produção, distribuição e consumo solidários de alimentos orgânicos, criação de animais e produção de energias limpas, como o biogás. Além disso, dissemina informação e capacita agentes sociais — produtores rurais e estudantes —, gerando trabalho e renda. O Projeto Shongai e as políticas públicas do Benin, tendo como eixo central a política educacional, são orientados para a construção da sustentabilidade e demonstram o poder da cooperação internacional entre regiões economicamente desiguais, fundada no diálogo e não no paternalismo.
Do continente americano, sob a égide da Carta da Terra, um dos produtos da Cúpula da Terra — Rio 92, surgem os conceitos de ecopedagogia e cidadania planetária, sistematizados no Instituto Latino-Americano de Pedagogia da Comunicação, da Costa Rica. No Brasil, o Instituto Paulo Freire passa a disseminar e desenvolver esses conceitos em escolas das redes públicas, disseminando no ambiente escolar a noção de uma cidadania planetária sustentada por “uma visão unificadora do planeta e de uma sociedade mundial”. Outras organizações e instituições brasileiras também praticam educação com dimensão global, explorando seus conceitos sob diversas denominações. O Centro de Criação de Imagem Popular (CECIP), a partir de 2003, tem enfocado a vertente Educação para a Paz e Transformação de Conflitos, realizando parcerias internacionais na implementação dos princípios da justiça restaurativa na educação pública em São Paulo e no Rio de Janeiro. A Associação Palas Athena, com sede em São Paulo, desenvolve o Programa para Formação de Educadores em Valores Universais, Ética e Cidadania, afinado com os princípios da educação global/planetária. Em seu livro Educação para a cidadania global: explorando seus caminhos no Brasil (2006), Marli Alves Santos faz um balanço da situação no início deste século.
Em 2009, organizações educativas da Europa, da África e da América do Sul — Arpok (República Checa), CECIP (Brasil), Leeds Development Education Center (Reino Unido), Nego-Com (Benin) e Südwind (Áustria) — reuniram-se e decidiram criar cooperativamente um projeto que contribuísse para fazer a educação global avançar nas escolas. Denominado Currículo Global, ele foi submetido à Comissão Europeia e recebeu um financiamento que custeou sua implementação em 40 escolas dos cinco países entre 2010 e 2012. Informações sobre a missão de cada uma dessas organizações e os seus websites podem ser encontradas em www.globalcurriculum.net no campo Organizações Parceiras.
Currículo global e cidadania planetária
No Brasil, o Projeto Currículo Global para a Sustentabilidade é desenvolvido pelo CECIP, organização da sociedade civil que desenvolve projetos em educação e comunicação. Desde 1986, o CECIP ajuda a fortalecer a cidadania ativa, tanto em âmbito local quanto global. O projeto é desenvolvido em cooperação com a Secretaria de Estado de Educação de São Paulo, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, o Colégio Bandeirantes, o Instituto Politeia de Educação Democrática, sendo apoiado pelo Instituto Paulo Freire e pela Fundação Roberto Marinho.
Durante três anos, 40 escolas e cerca de 800 educadores de cinco países envolvidos no Projeto Currículo Global uniram-se em torno do objetivo de contribuir para que a dimensão global/planetária pudesse ser inserida nas disciplinas do currículo das escolas de educação básica, por meio dos conceitos inter-relacionados que a expressam: direitos humanos, justiça social, diversidade, resolução de conflitos, interdependência, sustentabilidade, cidadania global e valores/percepções associados a cada um deles.
Resumidamente, esses conceitos-chave (cuja versão integral encontra-se no site www.globalcurriculum.net, no campo Documentação do Projeto) podem ser assim compreendidos:
- direitos humanos: direitos universais e indivisíveis, que ressaltam nossa humanidade comum;
- justiça social: equidade (em âmbitos local e global) no acesso a bens, serviços e recursos, com oportunidades iguais para todos; compreensão de que injustiças do passado afetam políticas contemporâneas locais e globais; reconhecimento da necessidade de desafiar as injustiças;
- diversidade: diferenças entre ecossistemas, culturas, costumes, tradições, formas de organização e governo das sociedades no planeta, as quais devem ser reconhecidas e respeitadas;
- resolução de conflitos: modos de se lidar com os conflitos decorrentes das diferenças de ideias, percepções, crenças e interesses ou da competição por recursos percebidos como limitados;
- interdependência: inter-relação entre pessoas, lugares, economias, ambientes em todo o planeta, fazendo com que eventos, decisões e ações tenham repercussão em âmbito global;
- sustentabilidade: reconhecimento de que os recursos do planeta são limitados, sendo essencial repensar, reduzir, reusar e reciclar no presente para que o futuro não seja prejudicado; conscientização de que a qualidade de vida vai além dos aspectos econômicos e de que a injustiça e a exclusão sociais precisam ser eliminadas;
- cidadania global: capacidade de perceber o contexto global em que se situam os temas locais e nacionais e o modo como linguagem, artes, religiões, lugares moldam diferentes identidades e perspectivas sobre os temas planetários;
- valores e percepções: compreensão de que as pessoas têm diferentes valores, atitudes e percepções frente aos temas globais, sendo possível desenvolver múltiplas perspectivas sobre eventos, temas, problemas e opiniões.
O desafio dos professores participantes — 25 deles no Brasil, envolvendo indiretamente outros 100 — consistiu em reconstruir esses conceitos com seus alunos, cujas idades variavam de 5 a 14 anos, e examinar as programações de suas disciplinas, identificando oportunidades para articular os conceitos da dimensão global aos conteúdos já estabelecidos. A partir daí, produziram planos de aula, sequências didáticas e projetos interdisciplinares, que, no Brasil, culminaram em ações na escola e/ou na comunidade local. Em nosso país, elas tiveram como foco, em especial, o fortalecimento da diversidade cultural, da resolução de conflitos/cultura da paz, da sustentabilidade ambiental e da justiça social, sempre possibilitando aos alunos entrar em contato com seus próprios valores e percepções, perceber outros valores e percepções em jogo e construir o elo entre o contexto local (bairro, cidade e país onde a vida desses jovens estão enraizadas) e o global (ao qual se conectam pelos meios de comunicação, pelo contato com diferentes expressões artísticas e ao perceberem o impacto no local de decisões e acontecimentos em países distantes). Os materiais produzidos pelos professores foram consolidados em um site (www.globalcurriculum.net) e no Manual do Currículo Global que, a partir de 2013, estará disponível a todos os educadores brasileiros interessados, em versão on-line.
Seis escolas brasileiras localizadas na região metropolitana de São Paulo participaram da implementação do Projeto Currículo Global. Três são particulares (Colégio Bandeirantes, Escola Teia Multicultural e Escola Politeia) e três são públicas (Escola Municipal de Ensino Fundamental Guilherme de Almeida, Escola Estadual Professora Júlia Macedo Pantoja e Escola Estadual Luiza Hidaka). Elas foram escolhidas pelo CECIP por serem consideradas instituições educacionais excelentes, com foco no desenvolvimento integral das crianças e dos adolescentes, por já contemplarem, na prática cotidiana, a formação para a cidadania ativa e a sustentabilidade, contando com profissionais interessados em colocar sua experiência e seus conhecimentos a serviço da construção de uma obra que poderia beneficiar outras escolas e educadores. A missão e a história das escolas que representaram o Brasil no Projeto Currículo Global, o nome dos professores e gestores que, em cada uma delas, compuseram as Equipes Currículo Global, constam no site do projeto, no campo Escolas.
Os participantes do Projeto Currículo Global vivenciaram muitas das experiências que tornam uma escola sustentável. Saíram de sua zona de conforto, decifrando outras línguas e culturas; tornaram suas aulas mais instigantes, ampliando horizontes e elevando as aspirações das crianças e dos adolescentes; conectaram a aprendizagem na escola ao mundo fora da escola; usaram a internet como ferramenta educativa; lidaram com conflitos e dificuldades de comunicação, enquanto desenvolveram nos alunos maior capacidade de pensar criticamente, desconstruir estereótipos e confiar em sua capacidade de agir para transformar a realidade. Acima de tudo, eles trabalharam segundo outra lógica, negando a egoísta lógica do mundo ao avesso, de que fala Galeano, e instauraram a lógica solidária e generosa do mundo pelo direito.
(1) A frase do prof. José Pacheco foi proferida no “Seminário Currículo Global Rio +20 vai à escola: reflexões e ações de sustentabilidade na educação básica paulista”, realizado em 16 de junho de 2012 pelo CECIP, com apoio das secretarias municipal e estadual de Educação de São Paulo, Instituto Politeia, Colégio Bandeirantes, Oficina de Ideias, Projeto Quixote, Projeto Âncora, Editora Biruta e Fundação Roberto Marinho.
• Madza Ednir é mestre em Educação e coordenou o Projeto Currículo Global no Brasil pelo CECIP.
• Priscila Assumpção Scripnic é mestre em Liderança Organizacional, coach e consultora em liderança na Mirror Leadership, tendo sido avaliadora externa do Projeto Currículo Global no Brasil.
Fonte: http://www.cecip.org.br
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