Como adulta sempre tive uma
relação um tanto estranha com crianças. Certamente eu nutro certa afeição por
elas, amo as crianças que fazem parte da minha vida. Mas quando preciso me
socializar com elas eu entro num estado meio catatônico. Não sei lidar, não sei
conversar, fico meio apavorada. Pode parecer uma situação um pouco engraçada
inicialmente, um sentimento de uma pessoa sem experiência com crianças. Há os
que dirão “é porque você ainda não tem seus próprios filhos” (sinto dizer, mas
parir não é a minha praia), mas penso que essa relação um pouco turbulenta com
elas pode ter uma origem um pouco mais complicada.
por Gabriela Pires, das
Blogueiras Negras
Imagem: Eduardo Cunha, de 8
anos, de São Paulo.
Desde muito cedo as crianças
sofrem influências do meio em que vivem e invariavelmente as reproduzem. Isso
significa que se estiverem crescendo em um ambiente em que convivem com pessoas
preconceituosas, fatalmente esses preconceitos serão internalizados e
reproduzidos ainda na infância. Não vou detalhar conceitos, pois eu não seria a
melhor pessoa a fazê-lo, já que meu campo de estudo não é a educação, mas
estudiosos como Piaget, Freud, entre outros, separaram o desenvolvimento da
criança em diferentes estágios. Segundo estes estudiosos por volta dos sete
anos de idade ocorre um processo de socialização primária onde a criança é
introduzida a um mundo já previamente delineado e do qual ela terá as primeiras
noções do papel que nele terá. A autora Eliane Cavalleiro cita em seu livro “Do
silêncio do lar ao silêncio escolar” um trecho bastante esclarecedor sobre este
processo:
MPRJ quer que aulas virtuais
do estado não sejam somadas na carga horária do ano letivo
“Numa dialética
homem/sociedade, o novo membro da sociedade interioriza um mundo já posto, que
lhe é apresentado com uma configuração já definida, construída anteriormente à
sua existência. Assim, interagindo com outros, a criança aprenderá atitudes,
opiniões, valores a respeito da sociedade ampla e, mais especificamente, do
espaço de inserção de seu grupo social.” (CAVALLEIRO, 2005)
Mas para a criança desta idade
qual é a parte da sociedade que a atinge senão o ambiente familiar e escolar?
Um bom e simples exemplo dessa interiorização de atitudes é a reprodução de
falas indesejáveis para uma criança, como: palavrões, músicas e diálogos de
programas inapropriados para a idade. Abro um parênteses para dizer que, por
ironia ou não, muitas dessas falas são tidas como “engraçadinhas”, “bonitinhas”
e consequentemente estimuladas pelos seus pais ou responsáveis legais. Esse
estímulo muitas vezes se dá por acreditar-se que a criança não absorve e não
tem capacidade de julgamento sobre aquela informação, ou na pior das hipóteses
(porém não menos corriqueira) pela crença de que tais atitudes são corretas e
“normais”.
Porém, por mais que até uma
certa idade a criança não tenha plena consciência de suas atitudes, esses
estímulos são compreendidos como positivos se tornam parte de seu repertório,
assim sendo a criança se torna desde cedo um mantenedor de um ciclo de
opressões. Assim como a família, a escola tem grande parte da responsabilidade
em injetar as mais diversas formas de intolerância e discriminação nas crianças
já na idade pré-escolar. Infelizmente a escola ou reforça e compactua com as
discriminações (sendo ela mesma o agente opressor), ou se isenta da
responsabilidade nos casos, sobretudo de racismo, colocando-os na categorias de
“brincadeira de criança”, “criança é assim mesmo” ou pior ainda “educação vem
de casa”.
Podemos ainda pontuar, como
visão mais ampla, a educação tendenciosa a uma hegemonia branca e a falta de
representação dos grupos minoritários no ambiente escolar. Sobre este último
ponto, gostaria de colocar uma experiência que tive recentemente ao fazer uma
pesquisa para um projeto de sinalização que, na faculdade, terei que realizar.
Observando as fotos da sinalização típica feita de EVA das creches, pude
perceber que na maioria das vezes em que um ser humano era representado (como
na indicação de banheiros) era utilizado cores referenciadas como “bege”,
“pele” e similares para a cor da pele e a cor amarela e preta para os cabelos
(sempre lisos, é claro). A consequência disso é a pior possível no processo de
identificação da criança negra, sua mínima representação, sua inferiorização e
em contrapartida um aumento do sentimento de superioridade da criança branca.
“As idiossincrasias estarão
determinando as diferenças pessoais, pois esse processo não é simplesmente
ensinado: a criança mostra-se como um parceiro ativo, podendo procurar novas
informações em outros lugares. Deste modo, as atitudes e os comportamentos
sociais não serão obrigatoriamente cópias fiéis das atitudes e dos
comportamentos de seus mediadores” (CAVALLEIRO, 2005)
Para concluir, apesar da maior
parte da responsabilidade pelo desenvolvimento social da criança ser de
responsabilidade dos pais e da escola a criança é fruto do que esses dois
agentes mais a sociedade constroem conjuntamente. Falar do racismo praticado
por crianças é falar do racismo praticado por adultos. É falar do racismo da
sociedade apenas agindo de maneiras diferentes.
Referências: CAVALLEIRO, Eliane. Do silêncio do lar ao
silêncio escolar: Racismo, preconceito e discriminação na educação infantil.
São Paulo: Contexto, 2005.
UNICEF. O impacto do racismo na infância.
Imprensa Oficial. Psique e negritude.
Fonte: https://www.geledes.org.br/o-desenvolvimento-racismo-na-infancia-por-gabriela-pires/?gclid=CjwKCAjw8df2BRA3EiwAvfZWaDEwOiSNzUB7hiivm-di1ShvAbNl8io2NU1K2Wd6mQF3tx6jVz-0RhoCdaAQAvD_BwE
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