“Na vida só há um modo de ser feliz. Viver para os outros.”

Léon Tolstoi

quarta-feira, 28 de março de 2012

As dores do analfabetismo


Joyce Lys Saback Nogueira de Sá a
Rosane Melo b


O fracasso na aprendizagem da leitura e da escrita marca a educação brasileira há muitas décadas, atingindo sobretudo as classes populares. Uma das conseqüências desse fato é o alto índice de analfabetismo verificado entre jovens e adultos brasileiros. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) o Brasil conta com mais de 16 milhões de analfabetos e, levando-se em conta o conceito de analfabetismo funcional, um critério que inclui todas as pessoas com menos de quatro séries de estudos concluídas, o número de analfabetos salta para mais de 30 milhões de brasileiros, considerando a população de 15 anos ou mais. No Brasil, existem mais de sete milhões de jovens fora da escola, o que equivale à população da Suíça e ao dobro da população do Uruguai.

A aquisição da leitura e da escrita é indiscutivelmente hoje um problema social, cultural e econômico. As demandas da sociedade multiplicaram-se em relação aos níveis de leitura e invariavelmente as necessidades de formação e de informação requerem leitura e mais leitura. Considerando-se a característica grafocêntrica de nossa sociedade, compreende-se que o analfabetismo acarreta uma condição de exclusão social. Cabe ressaltar que essa condição não se restringe aos que não aprenderam a ler e a escrever, mas também se estende àqueles que embora possuam habilidades de leitura e de escrita, não conseguem fazer uso dessas habilidades em suas atividades e práticas sociais. A leitura vem se tornando indispensável na vida cotidiana e na formação de laços sociais, e constitui-se uma exigência ainda mais importante na esfera profissional. Isso é válido tanto para os cargos de trabalho qualificado, quanto para as atividades profissionais pouco remuneradas. São os que sofreram os efeitos da ineficiência da escola brasileira e encontram-se em uma condição de exclusão social que buscam os programas de Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Os alunos do EJA são jovens e adultos que, de alguma maneira, foram excluídos do processo de escolarização na infância e matriculam-se em programas de alfabetização buscando sair da condição de cegos para as letras, como por vezes se identificam. Para esses está em jogo a permanência no emprego atual, a conquista de uma melhor remuneração, a independência em relação aos filhos, companheiros e amigos em atividades simples como abrir uma conta bancária, escrever uma carta para família, ler a bíblia, ler uma placa com nome de rua, etc. Há ainda os que dispensam a classe de alfabetização e matriculam-se nos primeiros níveis da educação fundamental. Esses jovens e adultos, embora não se reconheçam como analfabetos, têm consciência da precariedade de suas habilidades de leitura e de escrita e, portanto, voltam à escola para obter aquilo que acreditam que a ampliação de seus conhecimentos pode lhes proporcionar: ascensão social, possibilidade de melhor colocação no mercado de trabalho, ampliação e conquista de novas habilidades. Não se consideram cegos para as letras mas reconhecem que o aprendizado alcançado anteriormente não lhes garantiu a independência e a inclusão social desejada. Reconhecem que seus níveis de leitura e de escrita os coloca sempre em posição de desvantagem perante aqueles que dominam essas habilidades.

Os jovens e adultos mencionados até aqui são aqueles que regressam à escola após um período de ausência dos bancos escolares. Encontram-se ainda nos programas de educação de jovens e adultos aqueles que não saíram em nenhum momento da escola. São, em especial, jovens que egressam da educação regular diretamente para a EJA após completarem 14 anos, idade limite de permanência obrigatória na educação regular. Em geral, esses jovens têm uma história escolar marcada por múltiplas reprovações, o que faz com que cheguem aos programas de EJA como alunos cronificados pelos reiterados fracassos.

Apesar das diferenças em relação às experiências escolares anteriores, os alunos da EJA, em geral, apresentam dificuldades muito semelhantes no que diz respeito à aquisição de conhecimentos. Principalmente, apresentam o mesmo sentimento de incapacidade e incompetência diante da aprendizagem. Embora sejam capazes de reconhecer a baixa qualidade da escola, identificados com o lugar de analfabetos e incompetentes, os alunos de EJA freqüentemente se culpam por sua história de fracasso eximindo a escola de qualquer responsabilidade.

As dificuldades inerentes a uma escolarização em programas de EJA, o cansaço após o dia de trabalho, a exposição a uma situação culturalmente associada à infância, os sentimentos de vergonha e de incompetência provocados por longos anos de não aprendizagem dentro da escola, assim como a exigência de mobilização de tantos recursos cognitivos e afetivos, não são fatores suficientes para afastar esses alunos da escola.

Sendo assim, a permanência desses jovens e adultos no ambiente escolar aponta para a existência de uma expectativa dirigida à escola que não se extingue, apesar de tudo. O que faz com que esses indivíduos continuem investindo na escola? De certo que o desejo de aprender sustenta esses alunos na sala de aula. Um desejo dessa ordem com certeza está vinculado ao sofrimento implicado na condição daqueles que não dominam as habilidades de leitura e de escrita em uma sociedade grafocêntrica. É possível pensar, então, que o imenso desejo de aprender verificado entre os alunos de programas de educação de jovens e adultos advém da dor da exclusão.

a Joyce Lys Saback Nogueira de Sá (UNESA)
b Rosane Melo (UNI-IBMR, FCCL-RJ)

Fonte: http://www.psicologia.ufrj.br/nipiac/

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