“Na vida só há um modo de ser feliz. Viver para os outros.”

Léon Tolstoi

segunda-feira, 2 de maio de 2011

As escolas públicas devem ter ensino religioso? NÃO. Escola laica, liberdade e igualdade

Matéria publicada no Jornal Folha de São Paulo, 05 de março de 2011.

Por ROSELI FISCHMANN

O lugar do ensino religioso não é na escola pública, mas na família e nas comunidades religiosas, para quem assim o quiser.

Por ser ligado ao direito à liberdade de consciência, de crença e de culto, o ensino religioso depende de ser buscado, não de ser oferecido sob a égide do Estado, por ser matéria íntima, de escolha, segundo a consciência de cada pessoa.

Daí o caráter facultativo para o aluno que a Constituição estabelece para o ensino religioso nas escolas públicas, buscando preservar tanto o direito à liberdade de crença quanto a laicidade inerente à escola pública. Razões de ordem ética, jurídica, histórica e pedagógica amparam essa posição.

Crianças pequenas, de seis anos, iniciando o ensino fundamental, têm suas consciências tenras plasmadas pela escola. Quais as repercussões de conteúdos religiosos conflitantes ao que recebe no lar, em sua compreensão do mundo?

Aprender a não fazer ao outro o que não quer que lhe façam indica formação para autonomia, valorizando a alteridade -cerne da educação. Na escola, o respeito aos outros não pode ser amparado em divindade, mesmo para quem creia.

Porque amparar-se no inefável para garantir a não violência é menosprezar a capacidade humana de respeito mútuo e a própria fé, que não depende de constrangimento e submissão. A escola pública deve explicitar o que é humano (como a ciência) como mutável, porque falível e passível de debate e discussão, sempre sujeito a aperfeiçoamento. Como a Constituição.

A possibilidade de uma PEC que retire o parágrafo primeiro do artigo 210 da Constituição é uma urgência histórica, em prol das próprias religiões. Porque, ao tentar regulamentar o não regulamentável, qual seja, o acordo entre religiões sobre o que ensinar, como conteúdo único, a Lei de Diretrizes e Bases da educação criou mais dificuldades que soluções para o que já era problemático na Constituição.

Mesmo internamente a Constituição parece inconsistente, já que o seu artigo 19 estabelece que é vedado ao Estado "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança" e "criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si".
Promover um ensino religioso que seja ligado a denominação religiosa específica no âmbito da escola pública (como propôs o acordo da Santa Sé com o Brasil) é promover distinção entre brasileiros.

Mesmo que fosse possível cumprir a promessa de que "todas as religiões serão oferecidas", seriam desrespeitados em seus direitos os agnósticos e ateus.

Supor que seja possível tratar as religiões de forma "neutra", na escola pública, é menosprezar consequências de perseguições e raízes de guerras religiosas que a humanidade travou. Propor ensino religioso como história das religiões pode ser adequado só para jovens e não crianças, e não terá sentido se o professor conduzir o ensino privilegiando sua crença ou descrença.

A escola pública precisa ser entendida como lugar de desconstrução das discriminações que perpassam nossa cultura, de forma silenciosa ou denegada, que desrespeitam religiões e, sobretudo, seus adeptos, todos igualmente brasileiros e brasileiras.

Argumentar que a maioria "democraticamente" tem o direito de impor no espaço público sua crença e que na escola "só fará bem ter (uma certa) religião" reduz a democracia à tirania, pois nega o direito de as minorias serem integralmente respeitadas, a ponto de (como ensina Bobbio e dita a regra do jogo democrático) um dia se tornarem maioria.



Ensino religioso: lição de tolerância
Refletir sobre a relação entre escola e religião ajuda a compreender a importância de respeitar a liberdade de crenças


Arthur Guimarães (novaescola@atleitor.com.br)

A separação entre Igreja e Estado representa uma conquista histórica que sempre esteve associada ao reconhecimento da liberdade e da pluralidade espiritual. Garante-se, assim, a tolerância a todos os cultos e inibem-se manifestações oficiais sobre a validade de qualquer posição religiosa. Em nosso país, a Constituição Federal contempla essa tendência e assegura como inviolável a liberdade de consciência e de crença.

Por outro lado, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) explicita que o ensino religioso nas escolas de Ensino Fundamental é parte integrante da formação básica do cidadão, tendo matrícula facultativa e devendo ser multiconfessional, o que significa que todas as religiões devem ter as mesmas oportunidades de estudo. O período em que as aulas devem ser ministradas não foi definido formalmente. O ideal é que elas aconteçam no turno inverso ao das aulas regulares. Entre os especialistas, esse tema gera um embate.

Há os que defendem que os estabelecimentos públicos não podem servir de espaço para a pregação religiosa e os que argumentam que a escola tem a obrigação de oferecer tal ensino dentro da proposta curricular regular.

Esse debate continua em curso e acaba potencializado pelas diferentes interpretações da lei. "Definições sobre a forma de financiamento, perfil dos professores, horário das aulas e conteúdo a ser trabalhado ficaram sob responsabilidade dos sistemas de ensino, estaduais e municipais", explica Lúcia Lodi, do Ministério da Educação (MEC). Dessa forma, peça informações à mantenedora da sua escola para saber como organizar o ensino religioso em sua unidade, evitando ações sem respaldo legal.

É importante, de qualquer maneira, refletir sobre seu papel na construção da espiritualidade dos estudantes. "Uma coisa é certa: o respeito mútuo, a não-violência e a compreensão não têm relação direta com a religião. São valores que podem ser ensinados independentemente de crenças", exemplifica Roseli Fischmann, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).


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ROSELI FISCHMANN é coordenadora do programa de pós-graduação em educação da Universidade Metodista de São Paulo e pesquisadora do CNPq para o tema do ensino religioso. Foi membro da Comissão Especial de Ensino Religioso do Governo do Estado de São Paulo (1995-1996).

Fonte:http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/legislacao/ensino-religioso-licao-tolerancia-509322.shtml

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